Parece que foi ontem que liguei a televisão para assistir aos Jogos Olímpicos de Tóquio, disputados em 2021 em razão dos cuidados ainda necessários para combate ao coronavírus.
De lá para cá, muita coisa mudou nos esportes, porém uma segue inalterada: o talento natural do público para criticar, reclamar e criar polêmicas vazias, um show à parte que, em Paris, teve início já na cerimônia de abertura.
Basta entrar em qualquer rede social para ver o pessoal todo criticando até as vestimentas dos atletas, ou para presenciar o milagre do espírito olímpico, que transforma em amantes do esporte os acostumados a procurar, no pote de sorvete, a única bola que geralmente lhes interessa. Da noite para o dia, passam por uma capacitação pessoal natural e espontânea, habilitando-se para distinguir notas justas de injustas, manobras fáceis de difíceis ou tudo mais.
E não podemos nos esquecer do desmerecimento que rola sempre que um brasileiro não conquista pelo menos uma medalhinha, ainda que seja um verdadeiro milagre o fato de estarem competindo sem patrocínios ou apoio. “Fez tudo isso ai pra terminar em 6º lugar e está feliz? Sério mesmo?”
Fica aqui, no entanto, um questionamento: salvo um ou outro comentário indefensável por estar contaminado de inveja, maldade ou qualquer sentimento ruim — como esse último, de desmerecer o esforço dos atletas —, que pecado comete aquele que quer falar besteiras e reclamar de notas, jurados ou roupas?
É de uma arrogância sem fim achar que o torcedor não pode se permitir, por 15 dias — ou pelo tempo que ele quiser! —, tentar entender esportes até então desconhecidos, criticar, analisar e torcer como bem entende, ainda que esteja falando um monte de groselhas. Quem não gostar pode, simplesmente, desconsiderar; não precisa subir no pódio único destinado ao dono da verdade, onde ele premia a si mesmo por sua própria chatice
Temos essa cultura tóxica no futebol de medir o “torcedorismo”, como se quem assistisse a mais jogos tivesse direitos maiores para criticar, como se amasse mais o próprio time ou o esporte em geral porque acompanha mais as notícias, está mais por dentro. Sinto informar, mas o esporte é (e sempre será) movido pela paixão e não pela racionalidade, especialmente quando estamos torcendo para alguém. Essa paixão esmaga a racionalidade quando elas colidem, e só sendo irracional e apaixonado para ser realmente feliz como torcedor, ganhando ou perdendo.
Milhares de quilômetros e apenas 3 anos separam Tóquio de Paris, mas temos algo importante a comemorar. Enquanto antes o papo era sobre contágio, máscaras, isolamento, vacinas e um monte de outros temas sérios, agora temos uma avalanche de comentários sobre roupas, desempenho, regras e resultados. Sendo eles agradáveis ou não, corretos ou não, é prazeroso perceber que os tempos mudaram e estamos, novamente, discutindo bobeiras agradáveis, meras trivialidades. Voltamos a torcer por medalhas de ouro, prata ou bronze. Em Paris, não entregarão medalhas de cloroquina.
*A opnião dos nossos colunistas não refletem, necessariamente, a opnião do jornal página d.
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