Há quatro meses minha querida avó nos deixava. E muitos prestaram a ela uma última homenagem no velório mais bonito que já presenciei. Infelizmente, essa perda ocorreu durante o hiato entre o falecimento do saudoso Sérgio do Debate e a louvável iniciativa de criar este semanário que você está lendo. Então, por um infortúnio no cálculo vital, Dona Angela Catalano nunca recebeu um obituário propriamente dito.
Eu e ela conversávamos muito e abertamente sobre a morte. Ela era bem resolvida consigo, com os seus e com Deus. Já havíamos planejado seu serviço memorial diversas vezes: assim como ocorreu com meu avô em 1978, sua casa sediaria o último adeus; haveria comida, música e um misto de alegria e tristeza; e, ao final, como em toda reunião da família, tudo terminaria na varanda tomando uma cerveja em sua honra. Mas o Frei Fernando frustrou nossos planos e gentil e inesperadamente nos ofereceu o Santuário, onde ela serviu por décadas como Ministra da Eucaristia. Não poderíamos ter tido mais sorte. Ela teria ficado feliz com uma honraria tão grande, sem jamais se sentir digna de recebê-la.
A casa não recebeu sua “cerimônia de encerramento”, mas testemunhou centenas de celebrações mais alegres, afinal foi lá que viveu desde 1970 até o dia de sua partida. Vazia, pedi a minha mãe e a meus tios que a mantivessem assim até o Natal antes de decidirem o destino do imóvel. Estive lá algumas vezes após sua morte. E cada vez é um pouco mais estranha que a anterior. Na primeira delas, algumas semanas após seu sepultamento, a casa já não era a mesma, apesar dos esforços e carinho dos filhos em mantê-la. Os objetos estavam levemente fora do lugar costumeiro. Algumas plantas estavam morrendo. Mas o que me pegou mesmo foi o cheiro. Ah, o cheiro! Enquanto vivia, a casa tinha cheiro de café, de bolo, de Marlboro Light. Agora, sinto o cheiro forte dos produtos que a diarista contratada para a faxina quinzenal usa. Definitivamente não são os mesmos que ela usava.
A casa se tornou um eco do que foi em seu auge. Nós, de hábitos sedentários desde o Neolítico, fincamos raízes e estabelecemos residência, a qual muitas vezes nos acompanha por toda a vida. Os mais de 50 anos no mesmo endereço tornaram-se simbióticos: ela era um pouquinho da casa e a casa era um pouquinho dela. E uma sem a outra perdeu o sentido.
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