Já que ninguém está vendo, responda com sinceridade: quando o jornal publica a votação dos candidatos a vereador da sua cidade, você começa a ler de cima pra baixo ou de baixo pra cima? Já que vereador não tem utilidade prática, para que conferir primeiro os mais votados? E quem começa a ler a lista pelos lanterninhas, quando morre vai pro céu? Se não tem ninguém filmando, mas Deus tá vendo, o que justifica o nosso interesse em saber quem são, afinal, aqueles que quase não tiveram votos?
Se certos números da apuração fazem a alegria de muita gente, o que dizer dos nomes? Dito da Verdura, Ari do Auto Escola, Amélia do Papelão, Mário do Pastel, Michele Moto Boy, Maria do Rádio, Ronaldo do Estacionamento, Welington Locutor, Fabrício Técnico em Enfermagem, Carlão do Lanche, Reginaldo Cabelereiro, Dida Auto Elétrico, Fermino Empreiteiro, Marcelo Cobrador, Gatão da Perua, Dedé Calheiro, Heitor Tapeceiro, Hélio Pintor, Enfermeira Eliska, Professor Thyago, Genésio Enfermeiro, Tatu da Ambulância, Paulinho Gari, Ronaldo Instrutor, Cabo Jessé, Sargento Sérgio, Rose Pedreiro...
Há também um longo capítulo para os candidatos do Sindicato. E os candidatos territoriais, da Vila Musa, do Guaporé, do Vendramini, da Boa Esperança, do Vale do Sol. E o rosário dos apelidos, como não? Linguiça da Borracharia, Bico Doce, China Roses, Purunga, Latinha, Turca, Ratinho, Zóio. Se você tivesse que escolher pelo nome, qual desses mereceria o seu voto? O do pastel? O da verdura? O do bico doce? O linguiça ou o cobrador?
Domingo passado encontrei o Mané do Café na feira. Numa portinha ao lado do Tilica Sapateiro, o Mané me abastece de paçocas desde que o seu Edson foi morrer embaixo do trem. Mas na feira livre, o Mané vende café moído na hora. Daí o apelido com o qual concorreu a uma cadeira de vereador pelo PTN. Perguntei pela sua votação. “Sessenta e oito”, ele me respondeu sorrindo. Disse que estava muito feliz por ter sido lembrado por 68 pessoas, com o que eu concordei prontamente. “Mané, sabe quem é que daria a devida importância aos seus 68 votos? Aquele que precisa comprar centenas de votos para se eleger”.
O candidato que compra, em dinheiro vivo, com cestas básicas, churrascadas, cervejadas, aquelas centenas de votos da milhar que o elegeu é que sabe o que são 68 votos sinceros, de confiança e esperança. O sorriso do Mané do Café parecia dizer que ele concordava comigo. Pena que naquela hora eu não tinha de cor essa frase do grande Darcy Ribeiro: “Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Mané, é nóis e o Darcy Ribeiro!
Publicado originalmente em 16/10/2016
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