Ritinha Emboava: estigma, santidade e a fé que brota do povo

Rita Emboava é uma das figuras mais enigmáticas e fascinantes da história de Santa Cruz do Rio Pardo. Conhecida como “santa” popular, sua vida foi marcada pela luta contra a lepra (hanseníase), uma doença estigmatizada que a isolou da sociedade, mas também lhe conferiu uma aura de milagres e devoção. Na entrevista a seguir, conversaremos com o memorialista Celso Prado, que, junto com sua esposa Junko Sato Prado, desvendou alguns dos mistérios que cercam a trajetória de Rita, a santa canonizada pelo povo.

página d: Poderia nos contar sobre a origem de Rita Emboava?  

Continua após a publicidade

Celso Prado: Até 2010, dizia-se que Rita Emboava, mulher hanseniana, chegou a Santa Cruz do Rio Pardo, mas não se sabe de onde. Ela fixou residência na cidade até sua morte, em 1931. Rita trazia consigo uma aura de santidade que a tornava aceita pela sociedade, em uma época em que os hansenianos eram aprisionados e confinados em gafarias.

página d: Quais eram as condições de vida da família de Rita naquela época?  

Celso Prado: Rita era uma Andrade, como confirmam seu documento de batismo de 15 de setembro de 1859, que indicava que ela era filha legítima de José Joaquim de Andrade e Anna Luiza de Jesus. Seu pai era filho de Joaquim Manoel de Andrade, um dos pioneiros no Turvo, e sua mãe, Anna Rita (ou Lúcia) de Jesus, era filha de José Rodrigues da Silva e Maria de Nazaré, proprietários da Fazenda Santa Cruz, que hoje é Domélia, no distrito de Agudos. Foi nesse local que Rita viveu seus primeiros anos.

página d: Como o sobrenome "Emboava" se relaciona com sua família?  

Celso Prado: Rita casou-se com João Miguel Linhares, que era apelidado de Emboava. Esse sobrenome tem origem em Minas Gerais, da região do Capão da Traição, onde ocorreu a crueza da Guerra dos Emboabas. Emboava era um apelido pejorativo dado aos portugueses ou descendentes mineiros, mas já não tinha tanto peso na época de Rita e seu marido.

página d: Como você descreveria a personalidade de Rita Emboava?  

Celso Prado: Rita era uma pessoa de opinião e ciente do estigma que sua doença representava. Ela não permitia que outros hansenianos entrassem na cidade, recolhendo donativos e mantimentos para os doentes que estavam na Água dos Pires. Enquanto morava em um barracão para doentes infecto contagiosos, bem perto da sua capela na zona urbana, ela afastava as pessoas. Rita utilizava uma vara com gancho na ponta para pegar mantimentos e doações, sendo uma figura forte que não hesitava em xingar ou enxotar animais.

página d: Há relatos sobre as características físicas e comportamentais de Rita?  

Celso Prado: Em uma foto de 1902 ou 1903, anexada a um trabalho do formando médico Luiz Costa de Abreu Sodré, Rita apresenta deformações nas mãos, e a imprensa da época mencionava suas dificuldades para se locomover. Apesar disso, era uma pessoa bem-quista, recebendo ajuda de entidades caritativas, e até o cinema promovia espetáculos para arrecadar fundos em prol de Rita Emboava.

página d: Qual era o contexto social e político de Santa Cruz do Rio Pardo durante a vida de Rita?  

Celso Prado: Rita conheceu grandes figuras do Sertão, desde José Theodoro até o último coronel santa-cruzense, Leônidas do Amaral Vieira. Ela mantinha grandes amizades com importantes famílias, como Botelho, Alóe, Souza Santos e Berna, além da família do coronel Antonio Evangelista da Silva, o Tonico Lista, de quem foi protegida. Rita vinha de uma família bem situada, mas não buscava contato com seus parentes, talvez porque seu casamento não fosse bem aceito por eles.

página d: Como a lepra era percebida na sociedade da época?  

Celso Prado: Naquela época, uma pessoa com Mal de Hansen, também conhecido como lepra, poderia ser internada compulsoriamente em um hospital próprio, uma gafaria ou leprosário, de onde não saía. Contudo, devido ao que Rita fazia e sua conduta cautelosa, ela era bem vista. Quando não conseguia mais andar, arrastava-se em casa e se comunicava através de um buraco na parede, sempre oferecendo conselhos e palavras de conforto.

página d: Como você acredita que o mito de Rita Emboava foi construído ao longo do tempo?  

Celso Prado: Rita já era considerada uma 'santa' em vida, conformada com sua condição e sempre aconselhando as pessoas. Dizem que foi uma grande conselheira do Coronel Tonico Lista e teve grande influência em seu relacionamento com Dona Guilhermina Brandina da Conceição.

página d: Que tipos de milagres são atribuídos a ela?  

Celso Prado: Atribuem a Rita milagres como curas à distância de pessoas e animais, pedidos de chuva para as plantações, profecias sobre notícias de parentes e benzimentos, especialmente de crianças e idosos.

página d: Qual é o legado de Rita Emboava para a comunidade hoje?  

Celso Prado: Rita é um exemplo de vida. Ela abandonou tudo para estar com um homem de má fama, um tropeiro que contraiu o Mal de Hansen e 'contaminou' a família. Apesar das perdas e de sua própria doença, não perdeu a fé e nunca amaldiçoou a Deus ou aos homens.

página d: Você acredita que a figura de Rita ainda exerce influência na cultura local?  

Celso Prado: Rita ainda é lembrada nas orações de muitos fieis que se reuniam em frente à capela. Embora o culto tenha cessado, muitos ainda falam dela, especialmente os mais velhos que receberam milagres.

página d: Há mais alguma informação ou curiosidade sobre Rita Emboava que você gostaria de compartilhar?  

Celso Prado: Recomendamos nosso trabalho sobre Rita Emboava, que está completo com documentos e fontes, disponível online. Curiosidades incluem sua fuga de Santa Cruz, o apoio de Tonico Lista, e os eventos que ocorreram após sua morte.