Há duas semanas escrevi nestas mesmas páginas que “o Brasil está em alta no Brasil” e agora, em Tiradentes para a oitava edição da Semana Criativa, ouvi do historiador paraense Michel Pinho que ele não suporta ouvir a frase “a Amazônia está na moda, né?”. No tour guiado pela Casa Pará, o anfitrião refutou a afirmação, dizendo que a “moda” não é de hoje. Que inconscientemente o país todo se alimenta – literal e metaforicamente – da cultura amazônica há séculos. Os estados que abrigam a maior floresta tropical do planeta e toda sua cultura, entre eles Amazonas e Pará, fornecem ao restante do Brasil insumos que consumimos diariamente como açaí, castanhas e pupunha; serviram de inspiração para os escritores indianistas do século 19; enriqueceram nosso folclore e contribuíram com ritmos que influenciaram diversos estilos musicais; sem mencionar a riquíssima fauna e flora que simbolizam nosso país no imaginário de tanta gente.
O historiador disse também algo que já me ocorreu: o Brasil se tornar um país foi mera coincidência. Nosso território de proporções continentais consegue abrigar vários Brasis. No bate-papo inaugural da Semana Criativa de Tiradentes, sentaram-se no palco três crocheteiras mineiras, que reunidas por um designer carioca, transformaram seu trabalho ancestral em moda contemporânea. E, na mesma época em que Elon Musk anuncia seus robôs e veículos autônomos, testemunhamos a simplicidade do conhecimento do crochê sendo passado de geração em geração, sobrevivendo às modernidades. E mais: tirando proveito dessa modernidade para se reinventar. Com tutoriais do Youtube, o saber artesanal encontra entusiastas em cada canto do país e, graças ao alcance de influencers do TikTok e Instagram, os resultados chegam às grandes mídias e se ressignificam.
Com o “boom” das Inteligências Artificiais e automações, o questionamento que muitos se fazem é: Por que parece que elas estão substituindo o trabalho criativo, como escrever e desenhar, em vez de fazer o trabalho pesado por nós? Seja no Pará ou em Minas, em São Paulo ou no Paraná, as tradições ainda encontram campo fértil e, talvez em um movimento de rebelião contra o avanço impressionante das tecnologias, oferecem um contato mais humano com nós mesmos e nossa história.
* A opnião dos nossos colunistas não reflete, necessariamente, a opnião do jornal página d.
Mín. 15° Máx. 30°