O calendário marcava o dia 8 de julho de 2014 e a esperança do povo brasileiro só não era maior que a ansiedade. Tudo isso porque a seleção brasileira havia chegado novamente a uma semifinal de Copa do Mundo em solo tupiniquim, 64 anos depois da Copa de 1950.
Poucas semanas antes, minha mãe iniciara as sessões de radioterapia na cabeça, parte do seu tratamento contra as malditas metástases do câncer que, inicialmente, atingia apenas os pulmões. Ela, apaixonada por Copas do Mundo, dividia sua atenção entre os possíveis efeitos colaterais do tratamento e a óbvia ansiedade para o confronto com os alemães, mas até então o cenário era tranquilo nas duas batalhas, sem sinais que exigissem maior preocupação (tirando a suspensão de Neymar e Thiago Silva, claro).
Como ocorreu em outras partidas, terminamos a sessão de quimioterapia e nos dirigimos (eu, ela e meu irmão) a um cinema de São Paulo para assistir ao jogo na telona, um pequeno e merecido mimo que destacava sua sobrenatural resistência física (em 3 anos de tratamento, sentia as pancadas da químio em sua disposição e corpo, mas nunca vomitou uma vez sequer, mesmo vivendo pra lá e pra cá na Castelo Branco). Havia dado sorte anteriormente e optamos por garantir o ritual, sem saber o que nos esperava.
Confesso que sofro muito com derrotas em Copas do Mundo, uma sina que começou em 1998, quando Zidane deu início à sua sádica e impiedosa história contra um país tão amável quanto o nosso, no Stade de France. Quando Thomas Müller abriu o placar logo aos 11 minutos de jogo, portanto, já senti rapidamente formar-se um nó na garganta e o presságio típico do torcedor pessimista, que sempre imagina o pior cenário para evitar frustrações.
Só não sabia, naquele momento, que a apreensão se transformaria em tristeza em apenas 6 minutos, quando Klose, Toni Kroos e Khedira destruíram o coração de um país inteiro, sem qualquer traço de piedade, fazendo Zidane parecer um pequeno dissabor de um passado muito remoto, sem maior importância.
O que estava acontecendo?
A incredulidade era tamanha que não sei descrever o que sentia, só sei que era algo bem ruim.
A boca aberta só se fechou quando fui cutucado por minha mãe, num tom de preocupação que me trouxe de volta à sala de cinema. “Filho, fique calmo, mas acho que não estou bem”, disse ela.
Meu foco foi totalmente redirecionado, queria saber o que sentia, se queria ir embora, o que eu poderia fazer para ajudar. “Lembra dos efeitos colaterais da radioterapia? Então, acabei de ter todos eles de uma vez só. Saiu um gol da Alemanha e na minha cabeça foram 4, tem alguma coisa errada comigo”.
Dei uma boa risada, relaxei o corpo num momento memorável de satisfação e alívio e expliquei que estava tudo bem.
O que estava acontecendo?
Nada demais, era só mais um gol da Alemanha.
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