Há quem critique o Saci, figura mítica de nosso folclore, como seja a Mula-sem-Cabeça ou o Curupira (o bicho do mato que anda para trás) ou ainda, a Cuca que pega o nenê que não queira nanar; assim, como a todos, que fomos embalados desde nossos avós sejam os das senzalas ou das casas grandes. Também, a Caipora. Esta, a protetora das florestas e dos animais, a ver como é rico o nosso folclore. Enleados nestas figuras e suas histórias e traquinagens, é que desta cultura popular surgem origens do que a sociologia, chama mentalidades nacionais ou princípios de ordem, que presidem a vida de uma sociedade verdadeiramente concreta formada em uma Nação.
O Saci empalma toda a mais rica tradição brasileira e a marca do Saci não é a maldade, é, sim, a malandragem da alegria, um imperador das matas, que as protege também para espantar dela os intrusos e se diverte com arapucas de bondade, direcionando nos ao bem bom da vida; tem pinta de ser nosso conselheiro, sobretudo, um anjo negro de nosso guarda, em que a negritude marota é o âmago das nossas razões ou talvez o jingado do quilombola, antes capoeirista, que no molejo levou no bico o escravocrata e mais, o Saci é o símbolo de nossa Liberdade real.
Ele não tem a majestade da Estátua da Liberdade, que empalma o país da América, feito por imigrantes de todas as origens, atualmente que despreza os mais pobres dessa outra nossa América, que ainda não soube se fazer ser, perdida em um populismo para os pobres, que ela própria os expulsa, por não os saber governar, para o “american way of life.”
Mas o Saci, de uma perna somente, é descalço e nu; retrato perfeito do ser humano feliz, em que o fato de não ter camisa, ou estivesse de sempre de pé no chão, ou mesmo não ter uma perna; nunca será motivo de sua infelicidade. Sempre um otimista em sua desgraça, como os imbecis o veem. Curioso tenham lhe posto o cachimbo; porém, é possível, que isto o sacralize na hipótese da sabedoria conformada e resiliente da figura do Preto Velho, outro personagem angelical de nosso folclore, em que a música negra brasileira, é expressão da alegria comunitária diferentemente da tristeza do tango argentino ou da música sulista sul americana e ainda que a sensualidade da música afro caribenha, como os primeiros, não se possam dizer alegres, como o samba é.
Para mim, embrenhei-me no mistério do Padre Victor, um negro brasileiro, que no Século XIX, foi pároco de Conquista, no Sul de Minas, em 1860. Chefe político daquela região, dominante de violentos coronéis da política. Não mercadejo favores com o Padre Victor, contudo, a dominar a barbárie, do Sul Minas, nos anos de 1860, da violenta política do Coronelismo mineiro, com amor e sabedoria, independentemente dos preconceitos, somente por aí, suponho-no um grande homem.
É bom sempre voltar a ler os clássicos, como fiz há pouco, relendo, CASA GRANDE § SENZALA, de Gilberto Freyre, perseguido pelo título de sua obra, como se fosse um apóstata da Liberdade ou um apóstolo da escravidão. Que nada! O cara apresenta o elemento negro vindo ao Brasil, como o mais apropriado na construção de nossa cultura. Vejam finalmente que o mais importante na figuração do Saci, é a carapuça onde estão guardados seus feitiços e mandingas, acima da cabeça, que é o órgão da razão. Um velho amigo libanês, seu Haddad brincava comigo. Maroto por ser turco ou turco, por ser maroto e ríamos muito, às lágrimas. Carl Gustav Jung, o psicólogo contraponto de Freund, dizia que um povo se forma Nação quando absorve suas origens nacionais. Escrevo por amor ao Brasil e a todos brasileiros e brasileiras de origem negra. Nunca deixem de ser brasileiros. Em homenagem ao Dia da Consciência Negra.
* A opnião dos nossos colunistas não reflete, necessariamente, a opnião do página d.
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