Quando eu tinha 15 anos de idade, imaginava que aos 35 já seria um pai de família e provavelmente teria abandonado totalmente meus gostos e anseios de jovem para dar lugar à responsabilidade de quem faz sempre tudo o que a sociedade espera e pensa como ela, como a maioria — um destino que não parecia tão triste e assustador à época.
“Esse amor por seu time, leituras e filmes vão ficando em segundo plano, esmorecendo, e suas opiniões certamente mudarão”, diziam. No entanto, ultrapassada a barreira que separa os 30 dos 40, vejo que pouco mudou no que realmente importa: minha essência; por outro lado, muitas coisas realmente mudaram.
Permaneço, penso eu, um bom amigo, leal companheiro, grande apreciador das coisas simples e belas da vida e repleto de defeitos (uns antigos, outros inéditos, sempre com espaço para surpresas). Gosto de colecionar momentos e sou muito apegado ao passado — de uma forma boa, por respeito e orgulho de minha origem, das raízes que me mantêm em pé —, para o qual olho sempre com carinho e saudade, nunca com comiseração ou tristeza.
No que mudei, então? Hoje em dia, salvo raríssimas ocasiões, prefiro permanecer em casa do que sair para ficar horas em pé, sem um encostinho amigo; evito locais muito barulhentos que impedem as conversas (porém ainda amo shows); pego leve no álcool e nas frituras, uma homenagem ao companheiro inseparável e indigesto, o refluxo; durmo cedo, algo inimaginável há 1 ou 2 anos; e tenho o incômodo hábito de não engolir mentiras e notícias falsas como fazem muitos por aí, o que pode ser um problema se não conseguir segurar a língua.
Nesse sentido, o tempo também desnudou verdades que, da minha bolha jovem e privilegiada, eu simplesmente não via. Quando olho para trás, não vejo maldade, mas lá estão, sob a frágil película que separa a realidade, opiniões idiotas e pessoas queridas que se recusaram a estourá-la para pisar no mundo real. Para esses, sim, reservo a comiseração e certa dose de tristeza, afinal de contas, “o tempo não para”, e se você não não se movimenta e evolui, ele te arrasta.
Hoje em dia, é difícil engolir conversas imbecis e egocêntricas, acompanhadas da esfarrapada desculpa de que uma coisa ou outra seria “melhor para todos” (todos quem?), um argumento comum e vazio que gera ansiedade naquele generoso senhor chamado silêncio, doido para entrar em cena e poupar a fadiga, especialmente quando quem diz “pensar no próximo” não consegue enxergar um palmo à sua frente. Ainda, beira o impossível opinar, conversar ou debater com quem estacionou na herança de ideias preconceituosas e quase ditatoriais absorvidas de gerações passadas. Não dá pra ouvir ditados como “o sol é pra todos, a sombra é para poucos”, por exemplo, e achar bonita essa meritocracia que só não é míope porque não tem problemas de visão algo que sequer existe.
No mundo real e frio das ideias que pairam os 35 — os meus, pelo menos —, quando se sente estar mais ranzinza do que se poderia imaginar aos 15, é claramente verdadeira a alegação de que a sombra é para poucos, mas também notório que isso não passa de uma criação artificial do homem, uma interferência na natureza e no fluxo natural da vida. Sem o dedo hostil do próprio homem, todos poderiam viver, tranquilamente, ao sol e à sombra, de acordo com sua vontade – por que não?
Eis um presente do compositor de destinos, tambor de todos os ritmos: a constatação fácil de que o ditado explica também a razão pela qual predomina, entre os maiores idiotas do nosso tempo, uma nítida palidez de corpo e alma.
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