Na manhã desta segunda-feira, 25, a Câmara Municipal recebeu uma acareação entre as servidoras Márcia Gaspar e Luciana Araújo, que atuaram como diretora e coordenadora, respectivamente, do Programa de Bem-estar Animal de Santa Cruz do Rio Pardo. A sessão foi acompanhada com grande expectativa pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que esperava respostas sobre a gestão do programa, especialmente após as acusações de fraudes e manipulação de registros de procedimentos médicos realizados em animais.
Durante a acareação, as duas gestoras se apresentaram de formas contrastantes, com Márcia Gaspar e Luciana Araújo destacando aspectos conflitantes sobre as responsabilidades e atribuições dentro do programa. Em uma das falas, Luciana, acompanhada de sua advogada, teve dificuldades em responder ao questionamento sobre como seriam pagos os débitos em aberto do programa. "Diante da auditoria em andamento, não posso fornecer essa informação", declarou. Os integrantes da CPI alegam que o município tem mais de R$ 700 mil a pagar às clínicas conveniadas ao programa.
Por outro lado, Márcia Gaspar fez uma declaração que chamou a atenção: ela ratificou a versão já citada ao longo da CPI de que, no início do programa, o prefeito Diego Singolani (PSD) teria indicado uma aproximação de valores para que procedimentos não cadastrados na tabela do ProBem fossem realizados, possibilitando o pagamento dos serviços pela Prefeitura. Ao ser indagada sobre a gestão financeira, Márcia foi evasiva, afirmando que não estava envolvida nas questões relacionadas ao setor. "Cada um de nós deve responder pelo que fez. Eu errei, ela errou, o prefeito errou, o secretário errou. Todos precisamos arcar com as consequências", declarou a diretora.
Durante a acareação, um ponto crítico levantado foi a interpretação do contrato relacionado aos procedimentos realizados pelo ProBem. Luciana Araújo, ao ser questionada sobre como os serviços eram registrados, afirmou que havia uma grande confusão sobre a forma de contabilizar os procedimentos. A dúvida central era se cada ação deveria ser registrada individualmente como um procedimento ou se múltiplos procedimentos realizados no mesmo animal poderiam ser agrupados sob um único registro (como reza majoritariamente o contrato).
Luciana disse que, quando chegou ao ProBem, procedimentos eram contabilizados por quantidade, ou seja, se fossem realizados três curativos, deveriam ser lançados três registros, o que causava inconsistência nos processos administrativos. Márcia Gaspar, por sua vez, afirmou que esse tipo de situação nunca foi questionado até o início da auditoria em julho de 2023, quando começaram a ser mais rigorosos na verificação desses lançamentos e entendimento diferente do contrato.
Ambas as gestoras destacaram a complexidade e a falta de clareza na interpretação e aplicação das regras contratuais, o que contribuiu para as irregularidades observadas no programa.
Um outro ponto de divergência entre as servidoras foi a elaboração do memorial descritivo, documento essencial para a execução dos procedimentos do ProBem. Márcia Gaspar afirmou que Luciana Araújo foi a responsável pela criação do memorial, que servia para detalhar como os serviços seriam prestados e os procedimentos realizados. Segundo Márcia, Luciana teria redigido o primeiro memorial descritivo, com cerca de 10 páginas, o qual foi posteriormente revisado por Diego Demarchi, assessor da secretaria do Meio Ambiente, com poucas alterações.
No entanto, Luciana negou essa afirmação. Ela disse que não elaborou o memorial, mas sim que orientou Márcia durante o processo. Segundo Luciana, na época ela ainda trabalhava em outro setor, no Conselho Tutelar, e sua contribuição se limitou a fornecer diretrizes e esclarecer como o documento deveria ser estruturado, dado que ela possuía mais experiência na área administrativa, mas não teve participação ativa na redação do conteúdo.
Fraude nos lançamentos de procedimentos: cesariana em cachorro macho
Outro ponto crucial levantado na acareação foi o caso de Max, um cachorro macho resgatado em agosto de 2023 no Parque São Jorge, que, segundo sua ficha de atendimento, assinada pelo veterinário Marcelo Nisiguchi, da “Clínica 4 Patas”, passou por uma série de procedimentos, incluindo radiografias, hemograma completo, tranquilizações, eutanásia e, surpreendentemente, uma cesariana. A inclusão de uma cesariana em um animal macho aumentou suspeitas sobre a autenticidade dos registros e o real motivo desses procedimentos.
Márcia Gaspar confirmou que o caso de Max passou também por ela. A diretora explicou que, no início do programa, como alguns procedimentos ainda não estavam cadastrados na tabela, ela teria sido instruída a permitir que os veterinários registrassem procedimentos até atingir um valor determinado para justificar o pagamento pela Prefeitura. Ela afirmou que tal orientação veio do próprio prefeito Diego Singolani. No entanto, em uma nota oficial divulgada na semana passada, Diego negou qualquer envolvimento ou conhecimento sobre essa prática, o que gerou ainda mais controvérsias.
O caso de Max foi apenas um exemplo de uma série de situações que indicam uma possível fraude sistemática dentro do ProBem, com a manipulação de registros e o lançamento de procedimentos fictícios para justificar pagamentos.
“Um vereador precisava de mais dinheiro”
A ex-secretária do Meio Ambiente, Lauren Cristine Bernucci Cruz de Andrade, também depôs nesta segunda-feira. Sua oitiva pouco contribuiu para o foco da CPI, até porque, quando ela assumiu a Secretaria de Meio Ambiente, o ProBem ainda estava em fase de formatação e não em operação. Ela não participou da elaboração do contrato final do programa. De acordo com Lauren, geralmente os editais eram confeccionados pelo assessor Diego Demarchi.
No entanto, a engenheira ambiental compartilhou um bastidor curioso sobre sua saída da pasta. Ela foi exonerada em fevereiro de 2023. "Foi uma questão política. Um vereador precisava de mais dinheiro", afirmou Lauren, referindo-se ao vereador Cristiano Miranda, que assumiu o cargo de secretário de Meio Ambiente, nomeado pelo prefeito Diego Singolani, que buscava fortalecer seu grupo político.
“A culpa é da Márcia”
Outro depoente foi o atual secretário do Meio Ambiente, Renato Emiliano Rosa, que basicamente atribuiu toda a responsabilidade pelas falhas no ProBem à diretora Márcia Gaspar, a quem classificou como incompetente e sem capacidade técnica para gerir o projeto. Renato afirmou que ela agia mais pela emoção do que pela razão, deixando a estrutura totalmente bagunçada e não conseguindo repassar informações básicas sobre o andamento do programa. Mesmo assim, a CPI exibiu documentos nos quais Renato assinava liberando procedimentos que passavam por Márcia, já que ele era o ordenador de despesas.
Ele afirmou que, por ele, já teria demitido Márcia do ProBem, mas, devido ao “ano eleitoral”, estava "amarrado", sem explicar exatamente o que isso significava. Renato também afirmou que chegou a cobrar sua subordinada verbalmente, mas nunca aplicou oficialmente nenhuma advertência, mesmo insatisfeito com seu desempenho.
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