O Tribunal do Júri ou júri popular é um 'órgão especial da justiça' formado por pessoas idôneas da sociedade, cuja competência, julgar crimes dolosos ou intencionais, contra a vida. Leigos, nem vamos adentrar em questionamentos. Leigos, não vamos discutir meandros processuais, embates jurídicos etc., mas, houve uma história documentada, em Santa Cruz do Rio Pardo, e, a ela vamos.
Tribunal do Juri de Lençóis Paulista – um julgamento
Antonio Leonel de Souza, em 1873, cometera crime de morte contra 'figurão sertanejo' numa alegada e até testemunhada legítima defesa.
Preso em São Domingos (Diário de S. Paulo, 22/04/1873: 2), lugar extinguido conhecido como São Domingos do Tupá, Leonel foi posteriormente conduzido para a cadeia de Lençóis Paulista, aos 12 de fevereiro de 1874, no aguardo de julgamento, por Juri Popular, cujos membros fortemente influenciáveis pelos abastados amigos e parentes da vítima, além das principais testemunhas de acusação: a mulher, os filhos, o genro e pessoais da vítima.
Condenado, Leonel apelou e a sentença anulada, marcando novo júri:
“Appellante Antonio Leonel de Souza. Appellada a justiça. Relator o sr. Cerqueira Lima. Revisores os srs. Rocha e Faria.
Exposta a causa e discutida procedeu-se a votação, e julgaram nullo o julgamento do jury, por falta de observancia do disposto nos arts. 277 do codigo do processo criminal e do regulamento n. 120 de 31 de Janeiro de 1842, contra o voto do sr. Cerqueira Lima.” (Correio Paulistano, 12/08/1875: 3).
O novo julgamento para Leonel, agora em Santa Cruz do Rio Pardo, na estreia do Tribunal do Juri da localidade, onde, com certeza, a justiça triunfaria.
E o Leonel inaugurou o Tribunal do Juri de Santa Cruz do Rio Pardo ...ou, não há nada de tão ruim que não possa piorar...
Santa Cruz deixara de pertencer à Comarca de Botucatu para subordinar-se à recém-instalada de Lençóis Paulista (Lei nº 25, de 07/05/1877), à qual vinculada e elevada a 'Termo' com a criação do 'Conselho de Jurados e Foro Civil' (Ato Provincial de 27 de setembro de 1877).
Como 'Termo da Comarca', Santa Cruz assumia relativa autonomia jurídica, com direito de nomeação de Juiz Municipal, pelo governo estadual, e quadro de 'Júri Popular' em processos criminais.
O primeiro Tribunal do Juri de Santa Cruz estreou em 1878, com o julgamento de Antonio Leonel de Souza.
“—O jury de Santa Cruz do Rio Pardo condemnou á morte o réo Antonio Leonel de Souza.
Foi como inaugurou as suas sessões. Feliz estréa!
O condemnado é um velho e já tem soffrido cinco annos de prisão!“ (Gazeta de Notícias, RJ, 29/04/1878: 1; Jornal do Recife, PE, 13/05/1878: 1).
No Diário de S. Paulo a publicação satírica, sobre o dito julgamento, por um correspondente botucatuense:
“Custa a crêr, mas é verdade, que o novissimo jury de Santa Cruz do Rio Pardo, da tambem nova comarca de Lençoes, em sua primeira reunião, condemnasce á morte o infeliz Antonio Leonel de Souza.
Será um crime atroz e horroroso matar-se alguém em nossa defesa?
Quem tentou matar a Manoel Loureiro em Jaguary; quem tentou matar a Bittencourt, em São Domingos e preso em flagrante?; quem tentou matar o Dasanceamento (sic) e outras pessoas não podia tentar contra Leonel?
O processo desse infeliz é destituído de provas. São testemunhas: mulher, filhos e inimigos de Leonel.
Quem era o assassino do filho do famigerado José Antoninho, mercador de vida alheia, que decerto não falleceu com menos de tres mortes?
Leonel não podia ser condemnado á pena ultima.
Veja-se o que depôz um genro do finado, por ocasião do segundo julgamento. Mas diz se que é mau e o povo e juízes o julgam. Condemna-se em vista de provas cabaes e não por ditos vagos de inimigos. Mas o mundo é mesmo assim. Quem não tem a proteção dos régulos, terá a de Deus, da lei e dos juízes.
Attendam os ilustrados desembargadores da relação, que o processo desse infeliz é nullo, quer quanto ás suas formulas substanciaes, quer quanto á natureza das provas.
Parece-nos que em Santa Cruz do Rio Pardo não se levantará a forca com aquelle gosto com que levantaram a cruz, porque a lei ainda tem seu império e o tribunal da relação do districto para salvaguarda de todos os direitos.
Leonel, velho, acabrunhado pela velhice, e depois de cinco annos de prisão foi condemnado á morte, e o que é mais, sem provas!
Juizes da superior instancia: olhas para esse infeliz, victima talvez de um engano, ou então, da perversidade humana.
Que sublime inauguração do tribunal do jury!
Que exemplo de respeito á vida do proximo!
Que moral, e que religião! Para solemnizar a primeira sessão de tão respeitavel tribunal, condemna-se á morte um cidadão!
Que solemne festa!
Levante-se a forca!
Venha o paciente dependurado na corda divertir o publico!
Viva o tribunal do jury de Santa Cruz do Rio Pardo!”.
(Diario de S. Paulo, 27 de abril de 1878: 2).
O próprio Juiz de Direito da Comarca de Lençóis Paulista apelou contra a sentença, com a nova decisão superior: "Annullaram o processado perante o jury e mandaram a causa a novo julgamento" (A Província [hoje Estado] de S. Paulo, 21/07/1878: 2), e nenhuma outra informação localizada sobre o assunto.
As penas decididas nos Tribunais eram: condenações à morte, à prisão simples ou com trabalho, às galés, ou seja, penas de trabalhos forçados em locais públicos, com os condenados presos a ferros, individualmente ou em grupo, podendo ser temporárias ou perpétuas; cabiam, ainda, as condenações: ao degredo, ao banimento, ao desterro, às multas e à suspensão ou perda de emprego público. As penas de morte quase eram sempre trocadas por perpétua.
Assim, nenhum absurdo as condenações à morte, por exemplo, no Relatório do Governo da Província de São Paulo, de 1883 publicada em 1884, constam duas penas máximas impostas, no entanto perdoadas.
No Sertão Botucatu, as penas de morte de brancos eram raríssimas, os autores desconhecem alguma delas, mesmo que convertidas em perpétua; apenas mencionado o Leonel Antonio de Souza pela estreia do Tribunal do Juri, em Santa Cruz do Rio Pardo, cujos membros, igualmente àqueles de Lençóis Paulista, não resistiram às influências dos familiares e amigos da vítima. Leonel, é certo, não foi executado em praça pública ou nos fundos da cadeia, mas dele, historicamente, nenhum outro registro.
A última execução de branco conhecida no Brasil ocorreu em 1876, ainda nos tempos do Império. A República, em 1890, aboliu a pena de morte no país nos tempos de paz, conforme o Código Criminal da República, com algumas revisões e exceções ao longo da história republicana.
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