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A 'queima de bíblias' em Santa Cruz do Rio Pardo

Coluna Celso Prado e Junko Sato Prado

08/12/2024 às 17h09
Por: Colunista Fonte: Celso Prado e Junko Sato Prado
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Imagem ilustrativa gerada por IA por Lorana Harumi Sato Prado
Imagem ilustrativa gerada por IA por Lorana Harumi Sato Prado

"Ato sacrílego, ridículo, estulto e insultuoso dos Missionários católicos que no domingo, 18 do corrente [abril de 1948], depois de muita propaganda, nesta cidade, entre outras cousas queimaram grande número de Bíblias Sagradas, sob a alegação de que não possuíam o 'imprimatur' das autoridades romanistas (...)." Revdº José Coelho Ferraz, Igreja Presbiteriana Independente - IPI, Santa Cruz do Rio Pardo (Chamas do Evangelho, 01/06/1948).

O 'presbiterianismo santa-cruzense' com Francisco de Paula Martins

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O Censo de 1872, concluído em 1874 na província paulista, não identificou acatólicos na paróquia de Santa Cruz do Rio Pardo. 

Tradições citam o Francisco de Paula Martins [Coelho], como o primeiro presbiteriano santa-cruzense, juntamente com a família, mas, não se tem a data de sua conversão, sabendo-o, porém, provável católico até 1883.

Vejamos. Sem nenhuma discriminação religiosa, Paula Martins foi nomeado Subdelegado de Polícia em 1872 (Almanach Provincia de S. Paulo, referência historiográfica, 1887: 542); no ano de 1877, requereu do governo provincial a inclusão de cidadãos santa-cruzenses na lista de jurados (Diário de S. Paulo, 06/05/1877: 1); em 1878 designado Inspetor Literário (Diário de São Paulo, 03/08/1878: 2), cargo no qual permaneceu até 1882 (Correio Paulistano, 12/04/1882: 1). 

Quando nomeado Juiz de Paz, em 1884, Paula Martins já professava o credo presbiteriano, observada numa denúncia irônica:

"O vice-presidente desta heroica província acaba de confirmar quanto avançámos, escolhendo, no seio de uma população inteiramente catholica, o mais aceptico [ascético] de todos os protestantes - Francisco de Paula Martins - para 3º supplente do juiz municipal e orphãos deste termo." (Correio Paulistano, 02/08/1884: 3, Seção Livre: 'Ao Governo Imperial - os protestantes avançam', assinado aos 12 de julho de 1884, por Joaquim Antonio Carmillo).

— A controversa conversão de Francisco Ignácio Borges

Mêmores familiares informavam a chegada de Francisco Ignacio Borges, com a família, agregados e escravos, nos tempos do desbravamento santa-cruzense, e teria sido ele o primeiro convertido ao presbiterianismo, por volta de 1873, com a vinda de parentes mineiros sectários da nova fé.

Documento de alienação de terras atesta que o Borges adquiriu propriedade em Santa Cruz do Rio Pardo em 1862, a fazenda Mandaguahy, conforme edital do juízo de direito de Santa Cruz do Rio Pardo citando transação datada de 29 de dezembro de 1862 (Correio do Sertão, 28/11/1903: 3).

Embora dono de terras na região santa-cruzense, Borges residia em Lençóis Paulista na década de 1860, onde o registro de batismo de sua filha Anna [Carolina], aos 02 de março de 1862 (Livro Batismos 1861-1869: 33). Outras referências comprovam a morada de Borges naquela localidade, citado em grave crise financeira e devedor a um capitalista da região (Diário de S. Paulo, edição de 05/05/1868: 2; Correio Paulistano, 15/01/1868: 2).

Borges é citado habitante em Santa Cruz do Rio Pardo, desde o final dos anos de 1870 ao final de 1880, como fazendeiro, político conservador e Juiz de Paz (Correio Paulistano, 03/10/1878; 02/10/1879: 2 e 09/03/1887: 4).

Em Santa Cruz foram batizadas quatro filhas de Borges: uma cujo nome ilegível em folha mutilada, batizada aos 02/11/1879 (Livro 1879-1884); Mariana, batizada aos 25/09/1881 (Livro 1879-1884); Ozoria batizada aos 06/07/1884 (Livro 1884-1890); e Francisca, batizada aos 22/10/1887 (Livro 1884-1890). São, ainda, conhecidos a filha e os filhos: Ana Carolina, João Ignácio Borges e Manoel Ignácio Borges (Correio do Sertão, 28/11/1903: 3; DOSP, 06/01/1904: 32).

Considerando o batismo de Francisca [Ignácia Borges], na fé católica em 22 de outubro de 1887, depreende-se a conversão de Borges ao presbiterianismo ocorrida no período, entre o referido batizado da filha e o ano de 1889, posto ele falecido 'antes de 1890' (Apud Henrique Dias da Silva Junior, informando fonte Cedap/Unesp - Assis, Negócios Eleitorais), além da ciência que Borges não constou no rol dos eleitores santa-cruzenses de 1890 (SatoPrado, CD: A/A). 

— Repressão aos primeiros presbiterianos santa-cruzenses

Os presbiterianos, nos tempos iniciais, foram fortemente reprimidos em Santa Cruz do Rio Pardo, numa convivência bastante atribulada com os católicos.

Carta de 17 de dezembro de 1883 acusa o presbiterianismo local de arrebatar "jovens da religião catholica, em que foram creados, para unil-os na seita protestante!" (Correio Paulistano, 04/01/1884: 2).

Notícias de 1886 informam que o filho de um presbiteriano teve 'negação de sepultura' no cemitério local, e foi enterrado na propriedade de Francisco de Paula Martins, onde um cemitério particular (Imprensa Evangélica, São Paulo, 06/02/1886, Volume XXII: 46).

O fazendeiro Francisco Ignácio Borges, cuja conversão após 1887 e falecido em 1889, causara grande repercussão em Santa Cruz do Rio Pardo ao ser sepultado 'fora do cemitério', segundo informes por Iolanda Martins e parentes (Debate, edição nº 1450).

Em verdade, desde a morte do menino em 1886, com ecos negativos em todo o Brasil, arranjara-se lugar para futuros sepultamentos presbiterianos em Santa Cruz do Rio Pardo, num campo segregado do cemitério católico, separado por uma cerca, lugar onde viria ser, nos anos 1950, a Delegacia de Polícia e Cadeia Pública, depois 1º Distrito Policial e hoje prédio estadual desocupado, esquina das atuais Rua Euclides da Cunha com a Avenida Dr. Cyro de Mello Camarinha, e ali sepultado o Borges. Tudo, porém, deixou de ser problema com a transferência do cemitério, tornado municipal, nos altos do Bairro São José, a partir de 14 de abril de 1894.

Em 1888 o reverendo presbiteriano, Georges Anderson Lands foi a Júri Popular acusado de celebrar matrimônio de uma menor, sem o consentimento paterno.

“Na ultima sessão do jury, que teve lógar na villa de Santa Cruz do Rio Pardo, entrou em julgamento o revd. Georges Anderson Lands, ministro protestante, accusado de ter feito o casamento de uma menor sem o consentimento do pae. Defendido pelo Dr. Antonio Teixeira da Silva, advogado nesta Capital, foi absolvido unanimemente.” (Diário de Notícias, 22/01/1888: 2).

— A oficialidade presbiteriana santa-cruzense

Oficialmente o presbiterianismo teve início em Santa Cruz do Rio Pardo aos 13 de agosto de 1889 (Matos - Alderi de, 2009: 2), com o reverendo João Ribeiro de Carvalho Braga, sendo os ofícios religiosos realizados nos lares.

Em 1900 o reverendo Othoniel Motta assumiu frente presbiteriana local, e, com os poucos fiéis na época, requisitou da Câmara Municipal um local para a construção do templo, no 'Largo da Matriz' (Correio Paulistano, 27/10/1900: 3), bastante próximo do santuário católico, num tempo que os terrenos urbanos santa-cruzenses ainda pertenciam à Igreja Católica. A 'Igreja Oficial' opôs-se e a decisão camarária favorável tornada sem efeito, afinal, aos presbiterianos já concedido o terreno do antigo cemitério onde sepultados os seus mortos até 1894:

"Ja está firmado o contracto para a construcção da Egreja Presbyteriana desta cidade. Grande parte do material acha-se reunido no largo do cemiterio velho, logar onde vae ser contruido o templo." (Correio do Sertão, edição 06/09/1902)

Sem qualquer indicativo de oposição, os membros da Presbiteriana procuraram outro local e conseguiram terreno, à rua Marechal Bittencourt esquina com a rua Quintino Bocaiuva, noticiado como elegante edifício, em construção, sob a direção do convertido doador Salathiel Ferreira e Sá (Correio do Sertão, 18/04/1903: 2). 

— O 'cisma' presbiteriano: repercussões em Santa Cruz

Tudo parecia certo quando se agravaram as dissenções entre os líderes presbiterianos do Brasil, até 'o cisma' de 31 de julho, confirmado aos 16 de agosto 1903, com reflexos imediatos em Santa Cruz, surgindo daí a Igreja Presbiteriana Independente - IPI, com total adesão dos presbiterianos locais. O reverendo Motta, já ausente de Santa Cruz, foi um dos mais ativos entre os sete pastores do grupo independente.Foto em preto e branco de igreja Descrição gerada automaticamente

Com o separatismo formou-se a Igreja Presbiteriana Independente - IPI que, em Santa Cruz, manteve os objetivos religiosos e assumiu a sede semiconstruída, somente inaugurada pronta em 1914, onde permaneceria até agosto de 1950, quando o novo templo, à rua Quintino Bocaiúva, esquina com a atual avenida dr. Cyro de Mello Camarinha, inaugurado na data da memoração separatista.

A Igreja Presbiteriana do Brasil - IPB, esvaziada pela cisão de 1903, construiria sua sede à Rua Joaquim Manoel de Andrade, quase três décadas depois, em 1931.

Católicos e presbiterianos tiveram desavenças ainda no século XX, por exemplo, em 1903, quando o vereador presidente da câmara, advogado e subdelegado dr. Fernando Eugenio Martins Ribeiro, mandou multar o vereador e comerciante Salathiel Ferreira e Sá, presbiteriano, por ter se recusado fechar o seu comércio em feriado religioso católico.

Em 1916 os presbiterianos queixavam-se das atitudes de certo frei Lourenço, coadjutor paroquial, o que motivou o evangélico Paulo Cagnoto, oficial marceneiro, a denunciar o procedimento do padre contra os presbiterianos e lançar-lhe público repto, para debate dos princípios religiosos cristãos (O Contemporaneo, 24/09/1916: 2), necessitando apaziguamento do padre Vicente Rizzi, titular na paróquia.

— Queimas de bíblias em Santa Cruz

Dissenção posterior, no domingo de 18 de abril de 1948, quando padres missionários, em incumbência religiosa, coletaram bíblias impressas por editoras evangélicas, distribuídas no município pelos líderes religiosos cristãos não católicos, lançando-as numa fogueira elevada para tais fins ao pé do cruzeiro, caminho para o 'Bairro da Estação'.

Jornal com texto preto sobre fundo branco Descrição gerada automaticamente

O reverendo José Coelho Ferraz, da IPI local, fez veementes protestos contra o ato sacrílego e insultuoso, através de publicações no Informativo Presbiteriano Independente Santa Cruz do Rio Pardo (Chamas do Evangelho, 21/04/1948: 1-2 e 01/06/1948: 1-2).

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Texto Descrição gerada automaticamente

 

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Foto em preto e branco de pessoas na frente de uma casa Descrição gerada automaticamente

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Sobre o blog/coluna
O casal de memorialistas Celso Prado e Junko Sato Prado dedica-se à história antiga santacruzense e regional. Com uma densa produção literária, Celso e Junko são responsáveis pelo resgate de episódios e personagens marcantes, além de trazerem à tona informações inéditas a partir de meticulosas pesquisas documentais.
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