A alegria de um casal que se apaixona, namora, se casa ou apenas junta os trapos contrasta com as agruras da separação, das brigas, do divórcio. Qualquer pessoa sabe, por experiência própria ou por simples conhecimento de mundo, o quão difícil pode ser separar-se de alguém que tanto se quis no passado, esteja ele distante ou logo ali, ao alcance dos braços.
Essas brigas, com ou sem motivação que se possa entender como justa — nem toda separação é causada por traição, deslealdade, vícios —, invariavelmente envolvem crianças e adolescentes, os filhos, que sofrem irremediavelmente quando não existe um preparo psicológico para a bomba atômica jogada pelos pais em sua saúde emocional, isso quando não são usados como instrumento de vingança por quem tem mais poder dentro da relação familiar.
O cenário de dor, brigas e sofrimento envolvendo pais e filhos é costumeiramente retratado em filmes e livros, mas quem dera ficasse restrito a eles; na vida real as coisas podem ser ainda piores, e qualquer advogado que atue minimamente com o Direito de Família sabe a diferença que faz, para os filhos, o eventual compromisso parental em poupá-los do que for possível.
Entre os assuntos que mais geram discussões estão a briga pela guarda, a regulamentação do direito de convivência (visitas praticadas por aquele que não mora com os filhos) e a fixação de um valor a título de pagamento de pensão alimentícia, e é facilmente perceptível a diferença do impacto emocional quando comparados os casos em que há bom senso com aqueles em que, infelizmente, não se vislumbra nem sombra dele.
O que acho mais curioso é que a questão de ter bom senso e pensar nos filhos em primeiro lugar nem precisava ser objeto de debate moral, pois a própria lei prevê essa necessidade, já que temos uma legislação amplamente protetiva em relação às crianças e adolescentes. Será necessário engolir sapos? Terá o casal que deixar de lado o orgulho e as vaidades? Sim e sim, na maioria dos casos, mas será que não vale a pena em troca de manter os filhos felizes?
A título de curiosidade, destaco alguns dos mais importantes princípios aplicados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (o conhecido ECA), para não deixar dúvida alguma de que a responsabilidade pelo bem-estar de nossas crianças e adolescentes é também do Estado e não apenas da família:
- Princípio da Prevenção Geral - é dever do Estado assegurar a todas as crianças e adolescentes acesso gratuito às necessidades básicas ao seu desenvolvimento, como também é dever de todos prevenir a ocorrência e ameaça ou violação desses direitos;
- Princípio do Atendimento Integral - visa que se coloque em prática o princípio citado acima, com o Estado cumprindo todos os seus deveres para atender às necessidades dos menores;
- Princípio da Proteção Estatal - é dever do Estado visar à formação biopsíquica, social, familiar e comunitária dos menores, através de programas de desenvolvimento (art. 101);
- Princípio da Indisponibilidade - os direitos dos menores de idade são indisponíveis, ou seja, não há negociação possível sobre eles, pelo que não podem ser suprimidos;
- Princípio da Respeitabilidade - crianças e adolescentes devem ser respeitados como sujeitos de direitos; e o
- Princípio do Melhor Interesse do Menor - assegurado pelo art. 227 da Constituição Federal, confere às crianças e adolescentes absoluta prioridade em relação a outros membros da família, reconhecendo-os como sujeitos de direito e colocando seus interesses em evidência.
No âmbito do ECA, o art. 1º também retrata a doutrina no melhor interesse da criança, zelando assim pelo direito à vida, saúde, educação, lazer, liberdade, entre outros, bem como na efetivação do desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, conforme preceituam os artigos 3º e 4º do mesmo estatuto.
O que quero dizer com tudo isso é que a própria lei brasileira prevê essa obrigação de colocar os interesses do menor em primeiro lugar, antes de nossos desejos mais mesquinhos. Com um pouco de lucidez, todo e qualquer casal pode perceber, após reflexão breve, que as brigas em nada representam o melhor interesse dos filhos, e menos ainda garantem o respeito a todos os direitos citados no parágrafo anterior.
Nesse sentido, a criança, numa separação, deverá residir com aquele que melhor atenda aos seus interesses; a convivência com o outro genitor, com quem a criança não mora, deve ser sempre facilitada e o mais ampla possível, não apenas pelo direito desse genitor em conviver com seus filhos, mas principalmente para que a criança cresça de forma sadia, sem ter que optar pelo pai ou pela mãe quando tem a dádiva de ter ambos disponíveis; e a pensão alimentícia, respeitada a proporcionalidade entre a capacidade financeira de quem paga e as necessidades de quem recebe, deve ser paga pontualmente e em valor que seja suficiente a colaborar verdadeiramente com seu sustento (o que, invariavelmente, não acontece).
Nem tudo são flores e é claro que, no “mundo real”, não é fácil se desprender de todos os sentimentos, bons e ruins, que nos fazem humanos. Só que, se a coisa está feia, que fique assim longe dos filhos e os pais assumam o compromisso de fazer o máximo possível para poupá-los de traumas evitáveis, seja numa separação consensual, seja numa eventual batalha jurídica.
Se o sangue está fervendo, é melhor um pouco e deixar as coisas esfriarem. Pode ser tarde para o casal se reconciliar, mas nunca é tarde demais para proteger os filhos, caso contrário serão necessárias outras reconciliações no futuro.
*A opinião dos nossos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do página d.
Mín. 19° Máx. 30°