1. A ocupação sertaneja nos tempos da guerra
Em agosto de 1864 sabia-se inevitável a guerra com o Paraguai, quando aos 10 de novembro do mesmo ano aprisionado um navio brasileiro em águas do rio Paraguai e, pouco depois, as tropas de Solano invadindo o Mato Grosso para assim deflagrar o conflito aos 23, alguns afirmam 27, de dezembro de 1864.
O efetivo do exército brasileiro contava apenas entre dez ou doze mil homens, de formação precária e em número insuficiente, para enfrentar uma guerra que prometia ser longa e cruel, por isso o conclame para a Cruzada Patriótica, cada brasileiro a se apresentar voluntariamente (Pletz - Cristiano, 'Memórias - Guerra do Paraguai' 1995 (...), CD: A/A). O Império brasileiro recorreu, então, às milícias da Guarda Nacional de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás, muitos dos oficiais alforriando escravos para lutarem em seus lugares ou dos membros da família.
O voluntarismo brasileiro, todavia, não foi o esperado e, nos últimos dias ainda de 1864 iniciava-se o recrutamento compulsório, de jovens e adultos solteiros e viúvos, em condições de luta, nos principais centros mais próximos à capital do Império, onde se treinavam e enviavam as tropas para as frentes de batalhas.
O Sul de Minas estava entre os centros alvos dos recrutadores, arbitrários e violentos, obrigando famílias, às pressas, enviarem os seus recrutáveis para o Sertão do Botucatu para escapes do arrolamento compulsório, enquanto os demais membros familiares chegariam depois, embora alguns antecipassem: "muitos havia, pela idade, isentos do serviço militar e partiram, simplesmente, acompanhando filhos e netos" (Nogueira Cobra - Amador, 'Em um Recanto do Sertão Paulista', 1923: 44, B: A/A), enteados, sobrinhos e mesmo futuros genros, elegendo São José do Rio Novo [antigo nome, entre outros, da atual Estância Climática de Campos Novos Paulista], no então município de Santa Cruz do Rio Pardo.
A ocupação do oeste paulista pelos mineiros, meados do século XIX, aumentou nos tempos da Guerra; era preferível arrostar indígenas e tomar-lhes as terras, que enfrentar os soldados paraguaios.
– "(...) muita gente se dedicou ao serviço de matar índios e muitos indivíduos vangloriavam-se das façanhas praticadas e dos montes de cadáveres que fizeram (...) na sanha de bater o bugre (...) e procediam impiedosamente. Os naturaes, depois de expellidos da posse de Theodoro (...) que pouco a pouco os immigrantes estavam povoando" (Nogueira Cobra, op.cit, 1923: 52).
O alistamento compulsório para a Guerra, enfim, chegou ao Sertão. Na sede do município e nova comarca, Lençóis Paulista, o Coronel Comandante Superior, Paulino Ayres d'Aguirre, ao pedir soldados à Guarda Nacional para os campos de batalhas ouviu, do então tenente-coronel, Francisco Dias Baptista, que seus comandados não podiam atender aos reclamos pátrios, pois "que elles e suas familias estavão em iminentes riscos de serem acometidos pelos indios, nossos verdadeiros Paraguayos, parte dos quaes são com effeito de nação Guarany que vierão para este sertão." (Diário de São Paulo, 26/10/1865: 2. CD: A/A).
– Havia consenso que bandos Guarani presentes da região eram originários do leste paraguaio onde, desapossados de seus termos, procuraram segurança em terras do Planalto Ocidental Paulista, unindo-se aos destroços tribais no Sertão, após 1835, depois de infausta querença pelos lados de Itapetininga e Itapeva.
2. Dois combatentes nas linhas de frente e um desertor
Alguns nomes de moradores na antiga região santa-cruzense, se antes ou depois não importa, participaram da guerra.
O primeiro deles mencionado em 1873, pelo padre Francisco José Serodio, Vigário de São Domingos - Tupá, no assento de óbito de "Dª Margarida Maria de Barros viuva de um capitão que morreo no Paraguay (...)" - (Santa Cruz do Rio Pardo, Assentos Eclesiais - Óbitos: 10/08/1873, CD: A/A), sem outro informe, inclusive de nome, que possa melhor descrever o capitão.
Com identificação segura, consta o capitão Joaquim Compton D'Elboux, do 7º Batalhão dos Voluntários da Pátria (Della Rosa - Ricardo R_32, 2011: 16/03, CD: A/A), quase dois anos depois da guerra nomeado 1º Suplente de Subdelegado, para Santa Cruz do Rio Pardo, por Ato de 19/11/1872 do Presidente da Província de São Paulo (Diário de S. Paulo, 21/11/1872: 2).
– Publicação no Almanaque da Província de São Paulo, 1873: 448, exercício de 1872, informa o D'Elboux como Subdelegado de Polícia em Santa Cruz e dono de casa comercial em São Pedro do Turvo, para onde viria ser nomeado Subdelegado, em 1875 (A Provincia de S. Paulo, atual O Estado de S. Paulo, 02/02/1875: 2 - CD: A/A.
Ainda, dentro das dimensões do território de santa-cruzense, no lugar onde viria ser Timburi, o 'tatuiense' José Vieira, já arrolado, fugiu das autoridades militares por recusar-se combater na guerra (Queiroz - Bento Gonçalves - padre. 'História do Distrito de Timburi', de 20/09/1922, CD: A/A). Vieira viveu na região sem qualquer discriminação por ter sido desertor.
3. O capitão José Martins da Costa na tomada de Assunção
Nos anos 1970, três tradicionais famílias 'santa-cruzenses', Gonzaga Oliveira / Campbell e Fonseca, mantinham lembranças de um antepassado, herói de guerra, na tomada de Assunção em janeiro de 1869; ainda hoje se diz a respeito.
As tradições familiares, então, apontavam como combatente o capitão José Martins da Costa, de São Joaquim da Barra Mansa, Rio de Janeiro, casado com Maria Joana Sampaio, aos 26 de fevereiro de 1881, casal do qual nascidos alguns descendentes vindos para Santa Cruz do Rio Pardo, onde crescida a genealogia.
Documentos (www.projetocompartilhar.org, § 2º Gabriel Teixeira Pinto, CD: A/A) provam que o capitão José Martins da Costa, filho de Antonio Martins da Costa e dona Laura Maria de Jesus - matrimoniados aos 25 de julho de 1854, não esteve e nem poderia estar em alguma frente de batalha na Guerra com o Paraguai, em razão da idade, posto nascido por volta de 1856, antecedido por uma irmã.
4. Frei Marianno de Bagnaia - um caso emblemático
Nada a ver o religioso com Santa Cruz do Rio Pardo relacionado à guerra, no entanto, sua morte, como consequencia pós-guerra, ocorrida dentro dos termos da então comarca santa-cruzense (Giovannetti Bruno. 'Esboço Histórico da Alta Sorocabana', 1943, B: A/A).
Com a declaração de guerra do Paraguai contra o Brasil e a invasão territorial, a tropa de Solano Lopez encontrou o frei Mariano no exercício de suas atividades religiosas, em Miranda, então Mato Grosso - hoje Mato Grosso do Sul, resistente à invasão, sendo preso, torturado e conduzido para o presídio de Niasc, no Paraguai, onde também prisioneiro o seu amigo e colega de Ordem, frei Angelo Antonio de Caramanico.
Frei Ângelo foi decapitado e Mariano conduzido, com outros prisioneiros, para Parrero Grande onde seria executado. Quis o destino que soldados brasileiros se encontrassem com aquela ala do exército paraguaio, a iniciar inesperado combate, facilitando a fuga de frei Mariano que, perseguido e sem alternativas se lançou nas águas do rio Apa, mesmo sem saber nadar, porém salvo por um soldado brasileiro.
Visivelmente abalado pela guerra, frei Mariano retomou suas atividades em Corumbá, como herói e nomeado 'Pregador Imperial e honras de Major do Exército Brasileiro, por Carta Imperial de 08 de outubro de 1873'.
Recolhido na capital do Império, em 1886, aparentemente bem de saúde, Bagnaia foi designado para substituir o diretor do Aldeamento São Pedro Alcântara, em Jataizinho - PR, às margens do rio Tibagi, meses depois convocado para o Rio de Janeiro, recebendo a missão e grande soma em dinheiro para trabalhar na catequese em Campos Novos Paulista.
Bagnaia, perseguido pelas visões noturnas e terríveis lamentos dos tantos torturados de guerra que presenciara no Paraguai, e quando de passagem por São Pedro do Turvo rumo a Lençóis Paulista, não resistiu às tentações que o acusavam indigno de viver, enquanto seus discípulos e companheiros de fé sofreram o martírio, quis ir ao encontro deles e, "num momento de forte desespero, suicidou-se cortando com uma navalha a carótide".
Noticiário na grande imprensa da época: "No dia 08 [de agosto de 1888] falleceu frei Marianno de Bagnaia, em consequencia do medonho golpe em si deu a 18 de mez passado [julho de 1888] quando accommettido de um accesso de loucura." (Correio Paulistano, 21/08/1888: 2, CD: A/A).
– Versão variante, inadmite o suicídio do frei Mariano, e sim que ele tenha sido assaltado e gravemente ferido por ladrões, a mando daquele que o sabia ecônomo da Ordem e que levava, consigo, elevada soma em dinheiro para entregar ao padre Bernardino de Lavalle, em Lençóis Paulista, para a restauração do aldeamento em Campos Novos ou mesmo a fundação de outro, onde melhor aprouvesse ao sacerdote. O dinheiro, dizem, nunca foi encontrado, e o crime suspeitado por encomendado cel. Francisco Sanches de Figueiredo, chefe político regional.
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Abreviaturas usuais:
B: A/A = Biblioteca: Acervo dos Autores, abrangendo livros e apostilas em papel.
CD: A/A = Cópia Digitalizada: Acervo dos Autores, significando documentos e expedientes diversos digitalizados.
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Créditos - original: https://i.ytimg.com/vi/Kdl_m5oFrKc/maxresdefault.jpg
Um dos batalhões Voluntários da Pátria. Créditos foto original - https://zheit.com.br/post/voluntarios-da-patria-guerra-do-paraguai
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