Em 1926 o advogado Pedro Camarinha respondia pela prefeitura de Santa Cruz do Rio Pardo, em lugar de Leônidas do Amaral Vieira, afastado desde 02 de junho para o Comando Legionário do Batalhão Ataliba Leonel, aquartelado na cidade de Botucatu.
– "[O Comando Legionário] criado para dar combate a grupos revolucionários, como de 1924. Tinha formação civil, mas com feições nitidamente militares, com rígida hierarquia, treinamentos intensivos, patentes, exclusões e premiações solenes. Cada batalhão recebe um nome, geralmente escolhido entre os políticos mais influentes, Ataliba Leonel, nesse tempo, era deputado federal influente, que geralmente cuida dos interesses de Botucatu e região" (Pupo: Botucatu Antigamente II, 2002: 84).
O então prefeito Pedro Camarinha prestou contas de seu governo à Câmara Municipal, matéria publicada em 06 de fevereiro de 1927 pelo hebdomadário 'A Cidade', incluso período da administração direta do governo de Leônidas do Amaral Vieira, cuja sinopse revela um governo com pretensões, senão à transparência, ao acréscimo curricular do líder maior para futuras pretensões políticas.
A Administração do Amaral Vieira / Camarinha enfrentava dificuldades financeiras, dívidas vultosas vindas de administrações passadas, cujo valor "beira a casa de mil contos de réis", o que significava um milhão de réis, para arrecadação efetiva, em 1926, de apenas 228:750$160 e saldo de 16$100 para o exercício seguinte. Camarinha reclamava das dívidas do município, iniciadas no ano de 1908, em função do ramal ferroviário, Bernardino de Campos / Santa Cruz do Rio Pardo, reivindicando soluções junto ao Governo do Estado de São Paulo, num relatório datado de 03 de dezembro de 1927 (A Cidade, 25/12/1927: 1-2).
— A moeda brasileira era e é lastreada em ouro. O réis (Rs.) tinha paridade de Rs. 2$500 por 1/8 de ouro de 22 K (Lei nº 59, de 08/10/1883 - fonte Banco do Brasil S.A.), ou seja, por 1/8 de onça - [oz], equivalente a 3,54369039 gramas daquele metal. Destarte, para o valor atual da dívida aproximada, de 1926, basta consultar a cotação atual do dia para o grama de ouro.
Assomavam-se às dívidas, a obrigatoriedade do município para a legalização das "situações dos municípios que se constituiram com o desmembramento do território de S. Cruz do Rio Pardo"; a colaboração com a Cruz Azul prestadora de benefícios e amparos aos soldados [policiais] e familiares; aquisição de mobiliários para o posto policial; lavagens de roupas da população carcerária; e despesas com abastecimento de água para o Grupo Escolar.
O problema com o abastecimento de água para o Grupo Escolar era crônico, nem dois anos de funcionamento, em 1917 já se construiu o segundo poço em causa do esboroamento do primeiro, e enquanto o assunto não resolvido a água era "carregada da bica do bairro de S. José" (O Contemporaneo, 28/06/1917: 2), e esta serventia não era apenas para o Grupo Escolar, mas em algumas vezes para a Cadeia Pública e a Santa Casa, diante de qualquer emergência de falha nas bombas ou nos postos de abastecimentos.
— Tradições apontam a 'Bica do São José' na atual Rua Antonio Evangelista da Silva, à direita em direção ao alto do bairro, à margem do Ribeirão São Domingos, em local pouco adiante da atual ponte à Rua Conselheiro Antonio Pardo em direção ao Bairro.
O município auxiliava ou subsidiava outros serviços, ainda que particulares, considerados essenciais à população, conforme anunciava o prefeito naquela matéria:
— "Com o fito de fomentar a propagar a industria, devidamente auctorisada, esta Prefeitura concedeu favores á fabrica de lacticinios de propriedade do senhor Joaquim Theophilo de Mello e á Agencia Ford para a instalação de uma bomba de gazolina de ar comprimido. A Empreza Funeraria, que explorava o serviço de enterros, gozando de certas prerrogativas, falliu".
O prefeito em exercício informava das obras inadiáveis como a construção intensiva de sargeteamento da cidade, o calçamento do jardim público, cuidados com cemitério - serviços de manutenção, enquanto os problemas com o abastecimento de água à população e a rede de esgoto são problemas que afligem a cidade. Não existia água encanada que chegasse às residências, ainda eram regos d'água e chafarizes, e águas servidas lançadas nos quintais, sendo comuns as latrinas ou as coletas domiciliares para lançamentos no Rio Pardo.
O alcaide admitia: "A dolorosa verdade é que, nesta cidade, tudo está por fazer", para, em seguida, arrematar: "Se não é a obra do Genesis, há, entretanto, pontos de affinidade...".
Camarinha, após o queixume sobre a dívida herdada, enumerou as obras realizadas em seu governo, apresentando em primeiro plano os reparos nas estradas para Bernardino de Campos, Espírito Santo do Turvo, Chavantes, Ipaussu e São Pedro do Turvo; reforma da ponte do [Bairro] Alecrim.
Das realizações urbanas Camarinha destacou o abaulamento das vias públicas, com revestimentos em pedregulho, e o alargamento da Avenida Tibiriçá "em direcção à esplanada da Sorocabana", além do emplacamento da cidade e construções de bueiros e sarjetas. Também deu combate à formiga saúva, insetos himenópteros da família dos formicídeos – gênero Atta, pesadelo dos santa-cruzenses pelos grandes estragos às plantações, desde a fundação do lugar, motivo de matéria jornalística seriada em 1902 (Correio do Sertão, 1902).
O Prefeito, nessa série de medidas no exercício de 1926, determinou a desativação da citada pedreira situada na Rua Conselheiro Antonio Prado - parte que na época chamava-se Rua Paraná, junto ao Ribeirão São Domingos.
—Santa Cruz tinha outra pedreira localizada à margem esquerda do Rio Pardo, cujos vestígios ainda hoje observáveis, e que em 1902 já dava margem às reclamações populares (Correio do Sertão, 16/08/1902: 2), como causadora de transtornos pelo arrebentamento de pedras com dinamite, onde pedras alcançavam residências próximas e até no Bairro São José, causando danos aos imóveis e plantas, além dos perigos às vidas, humana e dos animais.
Outro relevante serviço prestado, voltado à saúde pública e higiene, dizia sobre a construção do matadouro de animais para o consumo, sendo complementar à essa construção a obrigatoriedade de transporte de "carne verde em carroção adequado."
Este serviço era reivindicação camarária desde 1894, e as tradições apontam que no lugar sugerido na época foi levantado precário abatedouro destinado somente a gado bovino, conforme depreendido de seguinte publicação de 1902:
— "(...) portanto não é idéa nova si a Camara actual obrigar aos marchantes de porcos a utilizarem-se do Matadouro Municipal, não admittindo o abuso de em qualquer lugar fazer-se o abatimento de porcos ficando o Matadouro, somente para o bovino" (Correio do Sertão, 18/03/1902: 2).
O matadouro construído em 1926, identificado como modelo, foi construído junto à barra do Ribeirão São Domingos no Rio Pardo, lugar onde instalado o campo da zootecnia e próximo da antiga ponte que servia a cidade.
Também feito relacionado à saúde pública foi a obrigatoriedade de se transportar de leite 'in natura' para entrega à população, "em carrocinhas adrede preparadas".
Na questão de visual da cidade, o prefeito relacionou entre as obras realizadas, a extinção do cemitério velho, ou seja, o pressuposto da remoção de restos mortais e destruição dos túmulos, o que efetivamente não aconteceu, na totalidade, posto que nos anos de 1940 existiam ainda algumas sepulturas no lugar e, até restos mortais encontrados ainda em 2008 (Debate, nº 1410, de 13/04/2008 - Ossos são encontrados em obras do Fórum).
O cemitério antigo foi desativado em 1894, com proibições de novos sepultamentos, ordem de desocupações dos túmulos e os restos humanos levados para o novo sepulcrário. O prefeito Lucio Casanova Neto, no final dos anos 1940, mandou derrubar os túmulos restantes.
Ainda em questão de melhor aparência urbana foi a "extincção da 'Igrejinha', no chamado 'Largo de S. Cruz', cujos terrenos foram vendidos e estão sendo edificados". A edificação religiosa situava-se no encruzamento das atuais ruas General Ozório e Barão do Rio Branco. A foto ao lado, que não se pode confirmar autenticidade e tempo, é do acervo de Geraldo Vieira Martins Junior, doada por 'Solange'.
Com nova planta cadastral urbana, o saneamento com o apoio do Governo do Estado - Área da Saúde, intentando o prefeito, por exemplo, o aumento de iluminação pública sem mais ônus para os cofres municipais, obtendo do "dr. Leal Costa, seu digno presidente a promessa de estudar o assumpto com sympathia e boa vontade".
Dr. Pedro Camarinha encerrou sua 'prestação de contas', com a mensagem: "Eu nutro, senhores Vereadores, uma convicção profunda nos destinos que o futuro preserva à cidade de S. Cruz do Rio Pardo, porque, quando mais não fosse, ella está nas vossas mãos".
— Pedro Camarinha faleceu aos 18 de janeiro de 1940, idade de 55 anos.
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