De acordo com os estudos históricos já realizados pelo homem, as sociedades que conhecemos hoje tiveram, em sua estruturação primordial, o agrupamento de pessoas para se proteger de animais e outros perigos. Com o tempo, passaram a socializar e a compartilhar crenças, surgindo a linguagem comum, falada ou escrita, e os preceitos e princípios que diferenciam uma sociedade de outra.
Desde sempre foram as afinidades que fizeram homens e mulheres deixarem o isolamento nômade para viver em grupos com o intuito de melhorar a vida coletiva e preservar a vida. Ou seja, parece estar em nosso DNA a busca pela aceitação, a preferência pelo conhecido e o temor diante do que é diferente.
Só que as sociedades evoluíram, como era de se esperar, e não estamos mais no tempo do homem das cavernas; não usamos gravetos e pedras para criar fogo, nem folhas para armazenar a água da chuva, e tampouco precisamos proteger nossos filhos da caçada de animais selvagens na calada da noite. Não há desculpas, portanto, para nos comportarmos como se estivéssemos ainda vivendo no tempo em que não existiam leis e um mínimo de acesso à informação — salvo se quiserem usar o verdadeiro pânico pelo desconhecido, ingrediente essencial na receita para a intolerância.
Infelizmente, o tempo parece estar mais para nuvens negras que a para a luz solar. Já há algum tempo vêm sendo imoralmente utilizados princípios importantíssimos como o da liberdade de expressão na tentativa de normalizar absurdos que, nos tempos modernos, deveriam ser tratados como tal. A diferença é que antes, quando alguém dizia alguma besteira retumbante, geralmente o fazia apenas para pessoas próximas; hoje, posta nas redes sociais e alcança dezenas, centenas, milhares, milhões de pessoas, e esse alcance facilita a ativação do “DNA do agrupamento”: outros tontos se reconhecem no absurdo e assim formam seus grupos de imbecis.
Era mais fácil tratar um tonto como tonto e repreendê-lo — em prol do bem comum, claro — quando ele não tinha ao seu redor outros tantos (tontos) a ratificar suas imoralidades, a dar suporte para suas besteiras e fazê-lo, assim, sentir a revigorante sensação de pertencimento. Hoje, a liberdade que sentem os tontos em falar atrocidades como se fossem normalidades é algo, para mim, assustador, assim como é assustador o silêncio dos não-tontos diante de tantos absurdos.
Essa falta de comprometimento com a verdade, partindo daquele que a conhece, talvez por parcimônia, preguiça ou mesmo por medo do embate, faz com que impropérios sejam repetidos por aí sem o menor pudor e, aos poucos, tornem-se algo comum, banal, sem maior importância. Depois, quando a lucidez dá as caras, é ela que parece absurda, opressiva e injusta — já cansamos de ver esse filme em diversas telas, de todos os tamanhos, com ou sem legendas. O pequeno feixe de luz, quando invade uma fresta, destaca-se mais na escuridão que um grande clarão, afinal de contas.
É preciso manter-se firme e cumprir nossa responsabilidade social. Se algo está errado, não pode ser simplesmente desprezado sem qualquer correção, ainda que o erro costume ser extremamente barulhento e cansativo. Admiro os que seguem firmes na luta e que não deixam passar em branco quando alguém, seja quem for, vem a público para repetir um discurso que só deveria parecer normal e correto dentro de um pequeno grupo de tontos, especialmente quando a “opinião” é opressora e atinge qualquer grupo de pessoas vulneráveis. Sabemos como é: mais fácil bater nos mais fracos para sentir-se forte. Assim vive o covarde.
Talvez a saída seja o reconhecimento do Estado dos Tontos como independente e soberano, conferindo a seus cidadãos um território para chamar de seu e isolando-os dentro de suas fronteiras. Isso evitaria o contato desavisado com um deles por aí. Preferencialmente, poderiam criar uma nova língua, assim teria-se que aprender a falar como tonto para melhor entender o que dizem.
Nesse Estado imaginário, poderiam viver sem medo do que é diferente e tanto os assusta, sem o pânico de perder privilégios adquiridos e sem ser punidos por nada que dissessem ou fizessem, contra quem quer que fosse; aqui, no entanto, espera-se um mínimo de respeito às leis, especialmente daqueles que, na qualidade de pessoas públicas, deveriam dar o bom exemplo de urbanidade e não apenas emitir o chamado para identificação de outros tontos. Afinal, pode-se encontrar toda uma multidão dizendo que a grama é azul, mas ela continuará sendo verde, concordem ou não.
Normalizar a hiena que late pode ser perigoso. Daqui a pouco, não saberemos mais quem são os cachorros.
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