Mais de dois anos. Somente ao ser convidada para escrever esse texto que tem em si a premissa de lembrar uma data é que atentei-me para outra: são anos sem escrever! Aquilo que um dia foi meu ofício não está em minha rotina. O choque foi semelhante ao: caramba, já faz um ano que o Sérgio partiu! Caramba, já tem quatro meses que eu não fumo! Cigarros à parte por hora, tinha que ser o Sérgio mesmo pra me botar pra escrever depois desse hiato, o que é irônico, já que comecei a escrever profissionalmente no Debate, em 2005, aos 18 anos.
Fui a primeira estagiária do Debate e não sabia nada da vida. Era a menina dos olhos dos meus amigos jornalistas Aurélio Alonso e Thelma Kai, que na época trabalhavam lá, mas isso é papo pra outra hora. O que interessa aqui é que mesmo com grandes mestres empenhados na minha formação jornalística prática, eu dava muitas trapalhadas! Rs...
É engraçado lembrar agora, mas na época tinha muita vergonha. Quando escrevia algo errado, na segunda-feira estava lá meu nome na lousa, a palavra riscada em vermelho e a forma correta ao lado. Não foi uma, nem duas vezes. “Marina, a foto ficou feia, volta lá e faz outra”. “Marina, para de escrever errado no MSN” (sim, era MNS, rs). “Você pode conversar com os seus amigos à vontade, mas escreva certo ou isso vai ferrar com seu texto, me dizia Sérgio.
Conselhos como estes recebi por tanto tempo, às vezes de forma mais carinhosa, outras nem tanto. Mas em todos os nossos anos de amizade o Sérgio sempre foi muito legal comigo. É óbvio que como toda pessoa próxima a ele, também teve briga (e mais de uma), mas nunca passamos grandes períodos sem nos falar.
Eu tenho certeza que o meu amigo Sérgio gostava muito de mim e mais: ele tinha orgulho da sua “cria” e vibrava junto a cada passo da minha carreira, que logo levantou voos para além de Santa Cruz. Porém, tenho certeza que se ele soubesse, seu maior orgulho quando se trata de mim seria sobre ter me transformado em uma ex-fumante.
Comecei a fumar quando iniciei a minha carreira no jornal. Era considerado legal, todos os meus amigos da faculdade de jornalismo fumavam e na redação não era diferente. É obvio que eu sempre soube os males que vinham junto com aquele delicioso Marlboro, mas por juventude, nunca me importei muito.
Os anos passaram e eu segui fumando sem nunca pensar em parar. Foi numa tarde quente do verão do ano passado que resolvi ligar pro Sérgio. Tinha ficado sabendo que estava doente e, apesar de não poder fazer muito, ofereci minha amizade e atenção.
Sentada na varanda da minha casa aqui na Bela Vista em São Paulo, passei quase uma hora ao telefone com ele, que me contou sobre sua situação de saúde, mas nunca sem comentar, as últimas notícias em Santa Cruz. Mesmo doente, ele ainda estava animado com uma investigação jornalística. O caso não tem importância agora, mas saibam que foi esquecido assim que Sérgio encerrou suas atividades, o que nos dá uma ideia de como a população perdeu com sua partida.
Ainda nessa conversa, ele me disse em tom de pedido e exatamente com essas palavras, que alugariam um triplex na minha cabeça nos meses seguintes: “Marina, você ainda é jovem, mas me escute, a vida adulta passa muito rápido e por favor, eu não queria que você passasse pelo que eu tô passando, então, para de fumar”.
Eu disse que pararia e ele insistiu mais um pouco, dizendo que estava falando muito sério, que não queria parecer chato, mas que estava me dando um conselho de pai, o qual achava que tinha liberdade pela nossa proximidade. Eu acolhi com carinho.
Algum tempo depois, chegou a notícia da sua partida. Eu chorei, me revoltei com a forma que um jornalista que tanto lutou por uma sociedade terminou sua vida e até com pessoas que me diziam: tá mas ele não era santo. Ok, mas você é?
Sérgio era um idealista, um grande jornalista e teve uma vida cheia de aventuras e, é claro, algumas polêmicas e inimizades. Se eu tivesse que apostar, diria que ele faria tudo outra vez, sem tirar nem pôr. Eu, por observação, conselhos e vontade própria, resolvi fazer diferente. Ao jornalismo não pretendo voltar apesar de ainda atuar em comunicação, mas eu acho mesmo que a nossa maior diferença e o que seria seu motivo de mais orgulho, seria ter me transformado em ex-fumante.
É, meu amigo, eu consegui! Você não sabe, mas o seu conselho e sua partida mudaram drasticamente a minha vida. Obrigada!
Com carinho e saudades, da amiga e estagiária “loira”, Marina Belei.
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