Papai perdeu muita coisa desde que se despediu, um ano atrás. Espirituoso, nunca se deixou tomar pela apatia. Reagia, como dizia ser preciso, a qualquer situação – positiva ou negativamente. Tinha algo a comentar mesmo nos casos cujo desfecho era o próprio tédio. Jamais teve uma vida quieta e, a bem da verdade, Sérgio Fleury Moraes nem gostaria de ter vivido assim.
Santista fanático, lamentava ter visto pela primeira vez o time cair para a segunda divisão do Paulista. Igualmente se culpava por ter influenciado os filhos a torcer para o alvinegro praiano recém-rebaixado. Deixou de ver o time subir à elite do campeonato numa dramática e vitoriosa campanha que o levou à final e deu ao Peixe o triunfo do acesso.
Hoje estaria tranquilo, embora quisesse ter presenciado a volta de Neymar. Certamente assistiria ao espetáculo sentado na redação em frente à mesa que abrigava invariavelmente uns dois montes de papel – entre jornais, pautas da Câmara, decisões judiciais, artigos ou lembretes que imprimia para ele próprio –, cinzeiro, água com gás, copo de café, pente e produto para limpar a lente dos óculos.
Muitos dos que frequentaram o Debate – funcionários, entrevistados ou mesmo amigos que iam ao jornal para bater papo – costumavam dizer “parece a mesa do Sérgio” ao ver coisa semelhante.
Democrata, assistiria atento aos desdobramentos das eleições de 2024 e da vitória do prefeito Otacílio por 124 votos sobre o ex-prefeito Diego.
Com a mesma lupa acompanharia o desfecho das eleições nas 12 cidades para onde enviava o Debate semanalmente – mas não com a mesma intensidade, é claro, já que o foco sempre se voltou à Santa Cruz que o acolheu ainda criança, após ter morado em Santo Anastácio e Agudos.
Questionador, não se furtaria de comentar assuntos sensíveis aos governos – atuais ou antigos, isso nunca importou para ele – e às Câmaras. Quem ousasse criar medidas em benefício próprio ou de terceiros sabia que teria de suportar as críticas do jornal que acompanhou o crescimento e expansão de Santa Cruz e região.
Papai se foi em 23 de fevereiro de 2024 e se orgulhava de dizer que um dos filhos seria juiz. Caio não havia sido aprovado àquela altura; estava na última fase da disputa. O que ele não imaginava é que o filho do meio passaria em primeiro lugar, à frente dos 15.942 participantes, e por consequência leria o discurso de posse durante cerimônia no Palácio da Justiça, da qual não pôde participar.
Há um ano que Sérgio não recebe telefonemas de amigos como Toko Degaspari, que identificava boas pautas para o Debate, e Miguel Abeche, assíduo colaborador de várias épocas do Debate – jornal que dizia ser seu quarto filho, o que mais trabalho dava. Nem que vai aos estúdios da 104 FM para comentar assuntos do cotidiano político santa-cruzense.
Há um ano que papai também não diagrama uma edição ou escreve reportagens que só o Debate produzia. Sabia de cor a história de Santa Cruz e das cidades da região – condição que o permitia escrever sobre contextos históricos com um olhar panorâmico que poucos conseguem imprimir a textos.
Desde que nos despedimos a Alcateia de Mauro Lobo, de quem era grande amigo, também não é acionada às sextas-feiras à noite para entregar um prato grande de filé a parmegiana, um de seus favoritos, nas dependências do Debate. Nem escreve ao entregador a orientação para buzinar, já que a campainha vivia dando problema.
Papai perdeu tudo isso e muito mais. Poderia ter ficado mais um pouco. Mas precisou ir, um ano atrás.
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