Os antigos carnavais santa-cruzenses, sem tradições memoráveis, remetem-nos aos tempos do 'entrudo', com os foliões adolescentes às ruas em danças representativas de grandes eventos, com simulações de lutas, músicas satíricas, ano a ano com algumas variações introduzidas, a exemplos de vestimentas folclóricas de personagens do imaginário popular da época.
Antiga celebração festiva portuguesa, também no Brasil, que acontecia nos três primeiros dias antes da Quaresma, depois substituída pelo Carnaval.
Então, vigiados ou prestigiados pelos pais e parentes, que ficavam nos passeios, os jovens saíam às ruas, fantasiados de almas ou assombrações, de esqueletos, de facínoras, de diabos, e todos se divertiam.
Os adultos somente ousavam mais nas folias promovidas pelos clubes restritos aos associados, com os rostos cobertos por máscaras, enquanto os mais velhos optavam pelos retiros espirituais promovidos pelas religiões.
Publicação do começo do século anunciava Julio da Silva como organizador carnavalesco, diretor de clube, que meses antes do evento já convidava "a todas as pessoas que queiram fazer parte no carnaval do anno de 1903, próximo, a virem se entender com director abaixo assignado. Santa Cruz, 20-12-1902, Julio da Silva." (Correio do Sertão, 03/01/1903: 3).
A edição do Correio do Sertão, de 28/02/1903: 1, trouxe pequena nota do carnaval daquele ano: "Passaria inteiramente despercebido o carnaval desta cidade si não fossem alguns mascarados bem desenxabidos que andaram fazendo graças pelas ruas."
Numa década o carnaval santa-cruzense não melhorou em nada. No ano de 1913, anunciou-se um grupo carnavalesco exclusivo, claramente contestador: "Activam-se os preparativos para o prestisto carnavalesco, com que pretende apresentar-se em publico, nos dias dos folguedos do Momo, [assinado] o Club Carnavalesco - Filhos do Diabo-" (Correio Paulistano, 24/01/1913: 4).
Em 1916, artigo publicado no hebdomadário 'O Contemporâneo', intitulado 'O Carnaval', discorre sobre a apatia santa-cruzense diante da festa do Mono:
"Hoje, amanhã e depois, são os dias consagrados à festa mais popular do Brasil, a festa em que todos, sem distinção de crenças, de idades, de fortuna, de colocação social, se divertem doidamente, alegremente, numa promiscuidade descuidosa, esquecidos todos dos dias e horas de amargor que porventura tenham passado. Divertir-nos-hemos também em Santa Cruz?
Parece-nos que muito pouco. A nossa população diverge por completo das de outras cidades. Não gosta de folguedos carnavalescos. Nem mesmo a creançada, que não tem preconceitos, nos alvoroça ou nos inferna os ouvidos o clássico Zépereira que precedem aos dias consagrados a Momo. A excepção de uma ou outra pequena lucta de lança-perfumes, animada pelo Lobo ou pelo Benedicto Carlos na ancia de venderem os seus stocks desse artigo: do carnaval dos Sérvulo, representado por uma ceia e um baile em projecto, em que diz elle: 'nós muito nos divertiremos', parece-nos que não teremos nenhum folguedo externo ou mesmo interno, nos salões familiares e que denuncie a festa de Momo."
O articulista convocava a cidade a sair do costumeiro torpor, especialmente os jovens, para os divertimentos carnavalescos. Conta de sua participação em carnavais de outras localidades, narra fatos recorrentes e, por fim, anuncia um acontecimento inesperado em Santa Cruz, para o carnaval daquele ano, com a aparentemente partição da Loja Maçônica local, Deus e Caridade:
"Já estavam escriptas estas linhas quando nos communicaram que o 'Club dos Pellas' ia dar a nota no carnaval, tinha resolvido à ultima hora e sairiam todos os socios phantasiados em alegre folgança. Com a nossa costumeira bisbolhetice, depois de muito indagar, conseguimos descobrir as phantasias de alguns dos socios e são eles:
O irmão 2º Orador envergará um vistosa sobre-casaca de cascas de amendoim torrado, calção a Luiz XV, confeccionado com bilhetes de loteria e uma fina cartola de casca de coco da Bahia.
O irmão Tiradentes, todo lampeiro, vestirá um dominó de cascas de cebollas, e um gorro a luxo, feito de paralelepípedos.
O irmão Vice-Presidente, com os seus 96 kilos, vestirá bombachas de sorvete de caju, blusa mexicana de penas de papagaio e cantará o meu boi morreu.
O irmão Clinico do Largo do Jardim, vestidinho de anjo, com uma phantasia a luxo, de folha de bananeira, corôa de louro cereja e asas de tico-tico, cantará o mineiro páu.
O irmão Secretario, sahirá vestidinho de mordomo de castello, com uma libré de palha de café e um chapéu ornado de sementes de laranja.
O irmão Magister deitará elegante casaca de todos de cigarro, calção de sellos de charuto e na cabeça trará uma cartolla do tamanho da matriz.
O irmão Clinico da Villa Nova, virá vestido de mulher: saias de marmelada e bluza de goiabada, com uma cabeleira de corda de bacalháu; com os outros irmãos cantará em côro o luzimento.
O futuro irmão de choupana, como ainda não está iniciado, irá vestido de leigo, com uma batina de pregos e chapéu de parafusos.
Fechará o prestito o irmão Presidente vestido de bébé, com uma camisinha de tela de arame, meias e sapatinhos de lã de cágado, touca de semente de abóbora e chupando uma mamadeira de vidro de oleo de rícino.
Enorme saparia acompanhará o bando.
Já não passará despercebido o carnaval em S. Cruz.
(a) Pierrot de Colombina."
-(O Contemporaneo, 05/03/1916: 1-2).
Sem dúvidas uma sátira quanto a participação de maçons, formando o 'Club dos Pellas', certamente divertido para a época, porém, nos dias atuais poucas personagens identificados, mais pelos ofícios ou profissões.
A partir dos anos de 1930 as festas carnavalescas mostravam foliões nos clubes, com nenhuma história significativa de desfiles de ruas.
O carnaval santacruzense de 1933, nos salões do Bar Paulista, do Sr. Tertuliano Vieira da Silva, encheu apenas o bar, com boa presença feminina, muita música ao som de orquestra, e "Nas ruas silencio quase absoluto" (Santa Cruz Jornal, 05/03/1933: 1); e a fonte revelava que as folias carnavalescas naquele estabelecimento "chegaram ao delírio, na noite de terça feira quando a despedida a Momo revestio-se de intenso brilho e de uma belleza sem par em festas dessa natureza."
Nos anos de 1940 noticiam-se concentrações defronte aos clubes, a exemplos do Soarema e dos Vinte com sedes próximas, misturando-se os participantes, e nos anos de 1950 famosas as marchinhas carnavalescas marcaram época, e a banda tocando no coreto do jardim com o público manifestando-se ao som das músicas.
Os casais ou, as moças e os rapazes passeavam pelo jardim, aspergidos por águas de cheiro, confetes e talcos, ou mesmo o denominado 'sangue do diabo' –uma combinação caseira de amoníaco com fenolftaleína, álcool e água, que por algum tempo – segundos – deixava a roupa manchada de vermelho na parte onde atingida, quando não algum ataque mais agressivo com 'pó de mico' – feito com apêndices que cobrem as superfícies de alguns vegetais, ou mesmo de pólen de flores, existindo também os minerais.
Os 'lança-perfumes', ou as drogas dos carnavais, eram restritos aos salões, mas a mocidade inventava misturas para cheiros em lenços umedecidos. Comumente o lança-perfume era combinação de éter, clorofórmio, cloreto de etila – gás, e essência de algum perfume; nas fabricações caseiras dispensava-se o uso do cloreto de etila, daí o uso dos panos umedecidos.
Nos clubes alguns homens fantasiavam-se de mulheres tipificando que no carnaval elas – 'as mulheres mandavam'.
Em meado dos anos 1960, [Valdomiro] Eliseu Nascimento e o grupo Amigos do Bairro São José ousaram o primeiro carnaval de rua, naquele bairro e, em carnavais seguintes, avançando ruas centrais da cidade. Com o tempo e outras lideranças o grupo tornou-se Império do São José.
Não tardou e o Bairro da Estação fundou o seu grupo, Califórnia, caracterizado carnavalesco, por volta de 1967, com poucos instrumentos, porém contagiante, estando à frente o Reco Beguetto e o João Andreolli.
As disputas entre os grupos São José e a Estação eram divertidas, ainda que acirradas, quando os grupos desfilavam pelas Avenida Tiradentes, Rua Conselheiro Dantas e Rua Euclides da Cunha.
Já adiante de 1974, João Pitaca – o Pitaquinha, que aprendera 'Carnaval em São Paulo' juntamente com Américo Bruno Filho, destacou-se carnavalesco e fundou, juntamente com Ubirani Gonçalves, a 'Escola Unidos da Baixada', cantando os primeiros sambas-enredos culturais homenageando destaques do município: o café e o algodão, e nomes ilustres ou famosos, como Tonico Lista, os irmãos Villas Boas, com letras João José 'Dedé' Corrêa, Umberto Magnani e outros, musicadas por Mário Nelli e o próprio Ubirani, além de outros nomes esquecidos no tempo.
Pitaquinha residira tempos em São Paulo aos fundos da casa da avó de Américo Bruno Filho, e ambos passaram alguns carnavais em Santa Cruz do Rio Pardo, destacando-se Pitaca como bom formador de grupos de foliões, repassando aprendizados adquiridos junto aos carnavalescos da Penha.
Por alguns anos, após 1978, o carnaval de rua ganhou desataques, com o Califórnia agregando-se com o Unidos da Baixada, criando dissidência na Unidos que migraram para o São José e formaram a Escola Império São José.
As intrigas, as ausências de estrutura e auxílio público, encerraram as atividades carnavalescas de ruas, ficando os espetáculos mais para os Clubes, sendo destacado o Carnaval no Ginásio Aniz Abras.
Com a decadência do Clube dos Vinte e, mais adiante, a não autorização para brincadeiras do gênero no Ginásio de Esportes, somente o Icaiçara Clube manteve inalterada a programação carnavalesca, às vezes incrementada com decorações de artistas plásticos da cidade, destacando-se Plinio Rigon.
Desde o carnaval de 2000 as tradicionais escolas não mais desfilaram em Santa Cruz. No carnaval de 2003 as Escolas, Pequerrucho e Objetivo, fizeram desfiles com os blocos dos pais, dos professores e dos alunos, procurando o resgate das marchinhas carnavalescas, mas o grande nome estava com a Unidos de São Benedito, cujo carnaval cristão idealizado pelo padre Esdras Moraes Freire, quatro anos antes.
Sem verbas ou interesses do poder público e empresarial para desfiles das escolas de samba, em 2003 a Prefeitura Municipal por concursos de blocos carnavalescos, e carros alegóricos opcionais, com julgamentos e distribuições prêmios quanto a originalidade, criatividade e harmonia; um fracasso.
(...).
O Carnaval santa-cruzense de 2025, em sua oitava edição sob a organização do Centro Cultural Special Dog (CCSD), no Icaiçara Clube, promete ser o melhor dos últimos anos.
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