O primeiro registro de moradores, onde hoje o município de Santa Cruz do Rio Pardo, encontra-se na 'Carta Provincial do Governo de São Paulo, de 12 de fevereiro de 1771', com força de lei, obrigando os moradores na região prestar ajuda, em tudo que deles necessitasse, o capitão Almeida Leme, chefe de turma na abertura da vereda militar, concluída em 1772, calcada numa antiga trilheira religiosa e bandeirante, desde a Serra Botucatu ao Paranapanema, traspassando o Turvo, nas proximidades do despejo do Alambari.
Tudo começou e foi assim, conforme antigos documentos.
O entradista e bandeirante Antonio Bicudo, no ano de 1620, subiu a serra do Botucatu e atingiu as cabeceiras do rio Pardo, para reconhecimento territorial e preação indígena, com as primeiras descrições dos seus campos e matas entre os rios Guareí, Paranapanema, Tietê, morros da serra - zona sudoeste e as nascentes do citado Pardo. Tais indicativos entraram nas cartas geográficas como referências para as entradas e bandeiras pelos sertões.
O estudioso jesuíta, monsenhor Aluisio Almeida, estudioso jesuíta, a seu modo explica o caminho que "subiu a serra [Botucatu], ganhou as cabeceiras do Pardo (Pardinho) antigo Espírito Santo do rio Pardo e desceu aquele rio até as alturas de Santa Cruz do rio Pardo, donde passou para o afluente Turvo e saiu nos Campos Novos do Paranapanema (nome mais novo)", sem prejuízo ao trecho prosseguinte até o Salto das Canoas, a partir de onde navegável o Paranapanema em direção às Reduções Jesuíticas - 1608/1628 e rio Paraná.
Governador da então Capitania de São Paulo, o capitão-general D. Luís Antonio de Souza Botelho e Mourão, 4º Morgado de Mateus, fora encarregado em restaurar a capitania paulista, abrir ou refazer estradas, fundar cidades e povoar os sertões, arranjando guarnecer os rios Tietê, Paranapanema, Iguatemi, Paraná e Prata, assim a expandir fronteiras ao oeste e levantar fortalezas para proteger o sul contra os espanhóis, ainda ressentidos pelas perdas territoriais com o fim do Tratado de Tordesilhas e não satisfeitos com o Tratado de Madri.
A região experimentou o progresso com o fluxo de pessoas vindas principalmente de Sorocaba, Itu, Itapetininga e Porto Feliz, atraídas pela promessa de fundação de novos povoados e distribuições de terras nas cercanias e adiante da Serra Botucatu, como sentinelas avançadas e fortalezas, sendo Simão Barbosa Franco o encarregado das ações.
Com tal visão militarista o Morgado determinou a construção da senda militar, em 1770/1771, a entrar pela Serra Botucatu até a barra do Pardo ou, mais adequado, ao Paranan-Itu, sob as ordens do capitão-mor de Sorocaba, José de Almeida Leite, para articulações com as bacias hidrográficas dos rios Tietê, Paranapanema, Paraná, Iguatemi e Prata, incentivando o povoamento do sertão e sua defesa das pensadas incursões espanholas. O Almeida Leite prestou contas do compromisso ao Morgado, dando-o por realizado em 1772, sendo certa sua chegada à margem do Paranapanema.
O 'Vale do Pardo', portanto, foi corredor de acesso entre a Serra Botucatu e o Rio Paranapanema. Uma trilheira, como caminho religioso e bandeirante desde Botucatu, seguindo o Pardo por referência e rumo ao Turvo, próximo ao despejo do Alambari, para transpassá-lo e seguir rumo ao Paranapanema, em atual Salto Grande.
Documentos creditam grupos de arranchados, desde que o sesmeiro João Álvares de Araujo, por volta de 1730, rumou "para o sul, costeando a serra [Botucatu] e posicionando-se além do Rio Pardo", à beira do caminho religioso / bandeirante que se tornou militar.
João Pires de Almeida Taques, nos anos 1750, obteve sesmaria no Pardo "além do dito rio no novo caminho que se abriu para a Praça de Iguatemy, em tempos povoados por João Alvares de Araujo" (Repertório das Sesmarias, L. 19, fls. 121-v). O tal novo caminho, militar rumo ao Iguatemi, foi calcado sobre o caminho religioso / bandeirante.
O monsenhor Aluisio de Almeida aponta os entre si aparentados, João Pires, José de Almeida Leme e Antonio Pires de Almeida Taques, sesmeiros no Pardo abaixo, e que Antonio [Pires] de Almeida Taques, em 1770, beneficiara-se de terras à margem esquerda do mesmo rio Pardo (Repertório das Sesmarias, L. 21, fls. 46).
Claudio de Madureira Calheiros, em 1771, requereu sesmaria, adiante daquela do seu sogro, Vicente da Costa Taques Goes e Aranha, a acompanhar o Turvo, margem esquerda, até sua barra no Pardo (Repertório das Sesmarias, L. 21, fls. 70). Desta forma, as sesmarias à direita do Pardo "já estavam ocupadas por Vicente da Costa Taques (...), e por Francisco Paes de Mendonça e Jeronymo Paes de Proença, c. 1779", citado o caminho para o Iguatemy via Rio Grande [Paraná].
Acima destes situavam-se os João Alvares, Antonio Machado e o Capitão [João] Pires [de Almeida Taques], e daí um vão até as terras sesmadas do citado Claudio Madureira Calheiros, do qual ciente Manoel Correa de Oliveira que, em 1780, pediu o chão entre aquelas sesmarias sobrando-lhe "as terras do espigão entre o Pardo e o Turvo, até a barra deste naquele." O Repertório das Sesmarias (L 21 fls. 100 e L 25 fls 96-v) ratifica os nomes daqueles relacionados sesmeiros à margem direita do Pardo, e confirmadas, também, as sesmarias concedidas do espigão à margem esquerda do Turvo, e, do outro lado deste, nenhuma sesmaria notada.
Mais para o 'Vale Paranapanema', pela antiga Peabiru, a Sesmaria das Antas, "em Lençóis, onde hoje está a povoação da Ilha Grande [Ipaussu] no município de Santa Cruz do Rio Pardo" (Silva Leme, 1905: 403, vol. VI), concedida a Luiz Pedroso de Barros, aos 09 de dezembro de 1725, repassada a José Monteiro de Barros, avô materno do sertanista tenente Urias Emygdio Nogueira de Barros (1790-1882), que a recebeu por herança, estimada extensão de três léguas de terras, a partir da barra do ribeirão da Antas no Paranapanema, em Ipaussu, até Chavantes, no distrito de Irapé - corruptela, por entendimento fonêmico, do tupi 'Tapi'irape - Caminho das Antas', com largura de uma légua, aumentada até o morro divisor onde as nascentes do ribeirão inicial dessas dimensões.
Dos restos de sesmarias, no começo do século XX, residentes sorocabanos descendentes dos Pires anunciavam a venda de 4.000 alqueires de terra em Santa Cruz do Rio Pardo (Aluisio de Almeida, 1959: 255), sem precisar exatamente o local.
Os sesmeiros, do século XVIII, pouco ou nada conheciam dos acidentes geográficos que melhor pudessem identificar suas terras; e os pioneiros vindos posteriormente, em meados dos anos 1800, melhor dimensionaram as terras do Sertão do Botucatu, inclusive os terrenos do Vale do Pardo, descrevendo suas posses para os registros paroquiais, quase sempre mudando ou dando novos nomes aos lugares apossados, exatamente para não serem questionados por herdeiros ou sucessores dos antigos sesmeiros.
Martim Lopes Lobo de Saldanha assumiu o governo paulista como 'capitão-general', entre os anos 1775/1782, e optou pelo abandono de tudo quanto planejara ou realizara o Morgado, seu antecessor, em Botucatu e adiante da serra. Com o desamparo as sesmarias não progrediram, as fazendas fracassaram e os arranchados, isolados e à mercê da crescente e ameaçadora presença indígena, retiraram-se.
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