Uma seita japonesa de fanáticos estabelecida no Brasil, a 'Sakura Gumi – Tei Shin – Tai', conhecida como 'Cerejeiras', sediava-se numa chácara na Vila Humaitá, em Santo André-SP.
Historicamente, em meado dos anos 1950, a família nipônica ‘santa-cruzense’, Myashiro, fazia parte da seita: marido, mulher e sete filhos (Diário do Paraná, 26/04/1955: 16).
Aliás, Massafume Myashiro, o único membro da família ausente do grupo, ao não conseguir falar com seus parentes recrutados entrou em desespero e denunciou a seita ao Juiz de Direito, Jesuíno Cardoso de Mello Filho, e ao Delegado de Polícia Viriato Carneiro Lopes que já havia prestado serviços em Santa Cruz do Rio Pardo.
As autoridades mencionadas então se dirigiram ou lá se encontravam sitiando o local com soldados ostensivamente armados, inclusive metralhadoras, e exigiram a presença dos pais de Massafume, o que foi negado pelos líderes e daí, por ordem do juiz que se sentiu desacatado, o QG da seita foi ocupado militarmente, sob grande violência, com repúdio da mídia e organismos humanitários.
A organização, sob manto de fanatismo religioso de pobres e famintos, já vinha sendo notada pelas autoridades, como causadora de atos subversivos e de atentados.
Dias depois da invasão policial, o grupo apedrejou o Consulado Japonês em São Paulo, por falta de apoio e interesses aos 'sakura' presos, e agrediram o Chefe do Consulado. Ocorreram, então, novos confrontos e alguns presos se juntaram àqueles já abrigados na Casa de Detenção.
Seis dos japoneses detidos promoveram protesto prolongado: "Hoje é o sétimo dia de greve de fome que seis fanáticos japoneses da seita 'Sakura Gumi-Tei-shin-tai' vem realizando na Casa de Detenção."
"As autoridades do presídio solicitaram o auxílio de dois sacerdotes budistas, na esperança de que possam convencer os grevistas a desistir de seu propósito" (Correio da Manhã, 03/08/1955: 5).
Ausentes melhores estudos, os 'Cerejeiras' seriam remanescentes da 'Shindo Ketsumei Dan', ou sob inspiração e nela incorporados homens e mulheres
Os filhos dos japoneses antes da 2º Guerra Mundial tinham escolas próprias e, também, frequentavam estabelecimentos brasileiros de ensino. Porém, em 1938, Vargas impusera restrições culturais aos nipônicos e as escolas japonesas que foram proibidas, de alguma maneira, sob a alegação da proibição constitucional, de 1937, de línguas estrangeiras nos cursos regulares de ensino e não tolerada para menores de quatorze anos.
Depois uma série de decretos-leis entre 1938 e 1939, impunha restrições culturais aos nipônicos, e as famílias abandonaram muitos costumes.
As medidas atingiam imigrantes italianos e alemães que, com os japoneses, constituíam os oriundos do 'EIXO' – Itália, Alemanha e Japão, denominado no jargão por 'ROBERTO' – as iniciais das capitais daquelas nações: Roma Berlim e Tóquio. A cultura japonesa, num todo, diferenciava-se dos usos, tradições e costumes brasileiros e tornaram-se exprobrados e discriminados pela sociedade brasileira capitalista, que visavam o branqueamento nacional, com agravamento à medida da aproximação de Getúlio Vargas com os Estados Unidos, quando indiscriminadamente os japoneses radicados tornaram-se, à visão do governo, inimigos do Brasil.
Ainda neste período, aparentemente, integração e a convivência japonesa na sociedade santacruzense não apresentava grandes desconfortos para as famílias Yoshisaki, Ogata, Kuwabara, Yoneda e Banki, enquanto outras sofriam rejeições sociais.
Algumas referências ditam que as famílias Banki Koba, Yoshisaki, Ogata e Kuwabara entre outras já não estariam em Santa Cruz do Rio Pardo nos tempos da guerra.
Aos 29 de janeiro de 1942, o Brasil rompeu com o Eixo, em solidariedade aos Estados Unidos, pelo ataque japonês a Pearl Harbor – acontecimento de 07 de dezembro de 1941, obrigando todo o corpo diplomático japonês a deixar o país.
Entre si os imigrantes acudiam-se, através de associações secretas, ocultas ou clandestinas, alvo dos órgãos repressivos do governo brasileiro. As inquietudes dos radicados quanto ao destino da guerra tiravam-nos do anonimato, diante da preocupação quanto à sobrevivência familiar ou mesmo grupal num Brasil cada vez mais hostil.
Para eles o Japão precisava ganhar a Guerra, e evidentemente expressavam o querer entre os conterrâneos, através de parentes, das apresentações artísticas, dos filmes contrabandeados, das revistas no idioma, e dos viajantes, que depois o governo brasileiro suspeitou-os espiões.
Novo Decreto de Vargas, e já não se podia mais falar em público o idioma de cada nação do Eixo, com ou sem intérprete, além da exigência de salvo conduto nos deslocamentos regionais e proibição total de qualquer manifestação cultural, mesmo familiar. Também as atividades de trabalho dos japoneses, em todo estado de São Paulo, tornaram-se alvo de fiscalização embasada em Edital pela Superintendência de Segurança Pública do Estado.
Mesmo clandestinas destacam-se as "Sociedade Secreta Japonesa Shindo Remmey: Prontuário 108981 – Caixa 247" e a "Sociedade Secreta Japonesa Shindo Ketsumei Dan (Prontuário 64244 – Caixa 247", PROIN).
Menos conhecida que a Shindo Remmey, a Shindo Ketsumei Dan tratava-se de organização terrorista civil japonesa, de extrema direita, fundada pelo radical budista Inoue Nissho (12/04/1887 – 02/03/1967) e teve atuações no Brasil. Não se sabe de nenhuma ação da Shindo Ketsumei Dan na região santa-cruzense, nem algum nome conhecido pertencente aos seus quadros.
Diversas famílias japonesas em Santa Cruz ficaram sob observações policiais, ainda antes do fim da guerra, acontecida com a capitulação japonesa, e em cena a 'Shindo Renmei', pelos 'kachigumi' ou vitoristas, pregoeira que a rendição era propaganda americana/ocidental, perseguindo os 'makegumi' – derrotistas ou realistas, com extrema violência e mesmo mortes.
Os 'kachigumi' eram maioria nos cerca de 200 mil colonos no Brasil da época, enquanto os derrotistas não passavam de 20% do total de imigrantes e descendentes.
Nunca se fez em Santa Cruz qualquer levantamento do pós-guerra sobre o alcance dos 'kachigumi' sobre os 'makegumi', ou mesmo das reações destes em relação aos patrícios rivais. Sabe-se, no entanto, que a 'Organização Shindo Renmei' existiu na localidade e assinalada em mapa (Arquivos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), cuja cópia inserida na obra Corações Sujos (Morais, 2004: 152-153), porém as famílias evitam o assunto, e os descendentes talvez saibam, e, tabu, tudo caminha para o apagamento dos acontecimentos.
A organização Shindo Renmei foi desfeita no ano de 1947, quando Vargas mandou interrogar mais de 30 mil pessoas, prendendo 300 suspeitos e 155 ameaçados de expulsão.
Durante o período descrito alguns japoneses 'santacruzenses' foram monitorados pela polícia política de Vargas e tiveram que prestar esclarecimentos, alguns presos e, entre os fichados, talvez apenas por vigilância: "Akio Kato; Akio Myamura; Asaji Takahashi; Chiko Shoji; Chuzaemon Shoji; Fukashi Saito - Caporanga; Hactiro Tomita; Haruo Fujii; Hideshi Yoneda; Hiroshi Sato; Jutaro Watanebe [Watanabe]; Kibutaro Saito; Kintaro Ueno; Kiyoma Hamada – Alambari; Kndzi [Kendi] Kanazawa; Kohiro [Koichiti] Sato – pai da coautora Junko Sato Prado; Kotuku Arakaki; Kotuku Arakaki; Massao Sato –atuante na região de Tupã (SP), tio da coautora; Massayuki Takaahaci [Takahachi]; Michiyoshi Suzuki; Mitsuo Kameda; Mituo Myasaki; Morimitsu Aizawa; Mussamito Takaahaci [Takahachi]; Myoji Sato; Nobuhiko Myake; Norio Takahatake; Ryutaro Kurahashi - São Pedro do Turvo; Saburo Fugiwara; Setsuo Tanno; Shigeru Kanico [Ganiko]; Shinzo Matida; Sunao Muraguchi; Takao Yoda; Takesshi Yamamoto; Tatume Fukuzaki; Tetsu Kawabata; Tokujiro Tajima; Tutume Furusaki; Yasuhei Aoki; e Yasusige Nagai." (DEOPS/PROIN: Fichas Policiais para Santa Cruz do Rio Pardo).
Os fichamentos e prisões podiam ocorrer com membros de organizações suspeitas de secretismo, de líderes comunitários, parentes de algum suspeito, ou mesmo por falar o idioma proibido.
Yasusige foi preso por falar japonês e teve situação agravada em causa das diferentes grafias do seu nome em português. O fotógrafo Kintaro Ueno, residente à Rua Floriano Peixoto nº 166, em Santa Cruz do Rio Pardo, teve apreendido seu material fotográfico porque as fotos, para o seu livro, tinham legendas em japonês.
"O professor Boris Kossoy, da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), juntou o material de dois dos fotógrafos imigrantes ali encontrados: Kintaro Ueno e Hideo Hayashida que, segundo escreve o professor, registraram 'o progresso para os que não temiam o trabalho árduo', em meio ao preconceito e desconfiança do Estado Novo. Nas imagens, famílias inteiras reunidas vestem suas melhores roupas a fim de construir um autorretrato de sucesso." (Montesanti, 2011: 2).
A abertura política somente ocorreria a partir de 1952, com o reatamento das relações diplomáticas Brasil/Japão, mais propriamente em 1958/1960, reabrindo algumas escolas japonesas, com números menores pela adaptação geográfica e cultural dos filhos no Brasil, e então muito se perdeu, e apenas a culinária japonesa tem sido assimilada pelos lares brasileiros, mas a riqueza cultural japonesa dos primeiros tempos da imigração, apenas sobrevive, adaptada, entre antigos descendentes.
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