Escrevo esse texto em 22/04/2025, data em que a Sra. Olavínea Negrão de Almeida, mais conhecida como Dona Ola, completaria 78 anos de idade se ainda estivesse entre nós. Gostaria de comemorar esse dia com um abraço, um beijo, uma ligação, uma mensagem que fosse, mas como nossos planos são separados por mistérios insondáveis, falo com ela por orações e deixo registrado um pedacinho de sua história aqui, neste texto.
Tia Olinha, como sempre a chamei e sempre a chamarei, era minha tia-avó (irmã de minha avó materna, Dona Dilma) e foi também minha madrinha de batismo, catequista, educadora e uma das grandes responsáveis por incutir em mim um pedacinho de sabedoria sobre a vida e o mundo. Foi minha tia, minha madrinha, minha amiga e meu grande exemplo. Como minha avó faleceu quando eu tinha apenas 7 anos de idade, posso dizer que assumiu também esse posto e acho que tanto ela (como avó) quanto minha mãe (como filha) assinariam embaixo.
Pausa para as referências: Tia Ola era esposa do Gavião (José Sérgio de Almeida), irmã da Dilma e do Ayrton Negrão, e teve 3 filhos: Rodrigo (Rô), Fernando (Fer) e Juliano (Ju), todos atualmente morando em Brasília/DF.
Vale também um pequeno contexto de sua vida profissional. Tia Ola passou no vestibular de filosofia da USP em 1963/64 e seria contemporânea do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas com o golpe militar de 1964 já em pleno curso, sua mãe teve uma crise de angina (dor ou desconforto no peito) e seus planos foram alterados. Aliás, talvez tenha sido aí o seu momento de graduação no curso de drama que é peculiar de nossa família, por onde quer que se olhe. A orientadora, no caso, foi minha avó, Dilma, que jogou sobre a irmã a responsabilidade de qualquer eventualidade que acontecesse com a mãe (“se ela morrer, a culpa é sua!”. Simples assim. Drama nota 10. Uma aula!).
Ciente de que precisava permanecer por perto, cursou pedagogia em Jacarezinho/PR e começou a trabalhar como professora, dando aulas na Usina São Luiz até passar em concurso para ser professora do Estado de São Paulo. Em 1982, tomou posse como diretora após ser aprovada em outro concurso, mudando-se para a cidade de Apiaí, no Vale do Ribeira. De lá, conseguiu transferência para a Escola Municipal Amador Bueno, de Ipaussu, e então finalmente voltou à nossa cidade para ser diretora da Escola Estadual Sinharinha Camarinha.
O tempo passou e ainda veio a ser diretora da Escola Agrícola (Centro Paula Souza) e também da OAPEC, onde aposentou-se por tempo de contribuição. Também foi catequista, Ministra da Eucaristia e Secretária de Educação do nosso município (onde foi injustiçada e sofreu com a safadeza de oportunistas, como bem sabe quem a jogou aos leões — mas isso fica para outro momento).
Em 2006, mudou-se para Brasília para ficar com os filhos e ajudar a cuidar do primeiro neto, até que veio a falecer, com problemas pulmonares, em 06/11/2011, com apenas 64 anos de vida (cedo demais!).
Essa seria parte de sua biografia se o autor fosse algum pesquisador ou se desejassem incluí-la no Wikipedia, porém o mais importante não são os números, cargos e datas. Essa biografia deixaria cair no esquecimento quem ela realmente foi, e é para isso que estou aqui.
Tia Olinha sempre foi uma pessoa fora de série. Alegre, educada, boa de prosa, religiosa, companheira, bondosa e verdadeira (até demais, para alguns). Quando pecava, parecia ser sempre pelo excesso, nunca por omissão. Sua língua rezava aos anjos e contava fofocas; sua humanidade era para os homens e para os bichos; seu tempo era para viver e para educar.
Nesse ponto, aliás, dizer que dedicou sua vida ao magistério me parece um uso indevido das palavras, pois passa uma impressão que limita sua atuação como educadora apenas à vida profissional, dentro de escolas. Na realidade, a educação seria ponto central de sua vida ainda que não fosse professora. Não por acaso educou 3 filhos, sobrinhos e netos, além de ensinar um pouco da vida de Cristo a tantos alunos na catequese.
Essa educação sempre passou pelo cuidado e sou testemunha viva do que digo. A perda dos meus avós (Dilma faleceu em 1997 e Franco em 1999, apenas dois anos depois) poderia ter sido um trauma insuportável de infância, mas seu acolhimento e carinho amenizaram um pouco os eventos e os transformaram numa lição que me faria sobreviver a tantas outras perdas que ainda estavam por vir (incluindo a dela própria). Esse amor incondicional e naturalmente oferecido a quem a cercava atingiu não apenas a família, mas também os amigos, fossem velhos ou jovens — Tia Olinha era querida por todos os amigos de seus filhos e também por meus amigos, que brincavam com ela em toda e qualquer oportunidade.
Ela sabia que o objetivo maior da vida é viver e o praticava com gratidão, fé e simplicidade. Foi ela, graças a Deus, quem me pegou no colo e ensinou coisas das mais importantes que poderia aprender na vida e que me guiariam para o caminho correto. Seus almoços de domingo eram sempre com um Zeca Pagodinho comendo solto e a casa cheia, ensinando a alegria de viver e as artimanhas perigosas da solidão; seu posicionamento político sempre foi extremamente humano, preocupada com questões sociais e distante da alienação imposta pelo uso indevido do poder (se tinha uma coisa que ela claramente não tolerava era a burrice — professora das antigas, né?); e o mais importante, me fez são-paulino ainda eu tenha crescido com um pai santista, uma mãe palmeirense e um irmão corinthiano (no vídeo do meu parto, é possível ouvi-la dizendo: “esse vai ser são-paulino como a tia!” Obrigado!!).
Tia Olinha não chegou a conhecer a figura de Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, falecido ontem, já que ele assumiu o papado em 13/03/2013 e ela falecera no final de 2011. Certamente teria amado a nova liderança da Igreja Católica, um homem franciscano, desprovido de vaidades e que utilizava a fé para lutar pelo bem comum de todos os povos, sem discriminação, sem tronos de ouro. Sei disso porque sempre tive grande admiração por ele e carrego comigo o presente oferecido por aqueles que nos educam: vemos por seus olhos, pois vivem em nós.
Essa é a bendita herança que Tia Olinha nos deixou. Uma herança incalculável, imensurável, inestimável, que traz consigo a responsabilidade de tentar passar um pouquinho de bondade adiante, de permanecer na luta contra tanta alienação e maldade e de viver, sempre que possível, em paz. Na paz de Cristo. Sejamos merecedores.
Amém!
Mín. 16° Máx. 28°