Suspicácias sobre o coronel deputado
O Coronel Emygdio José da Piedade contribuiu politicamente e administrativamente para Santa Cruz, mas também cuidou de seus próprios interesses, era fazendeiro e negociante.
Apesar de suas contribuições para Santa Cruz, Emygdio e sua família estiveram envolvidos em casos de política, interesses pessoais e atividades ilícitas na vida pública. Na sociedade, ele era considerado uma figura proeminente e assim foi registrado na história como um paulista notável.
A família, proprietária de um entreposto comercial em Santa Cruz do Rio Pardo, tinha interesse na abertura de estradas desde Avaré e Faxina até Piraju para fortalecer seus negócios, beneficiando a localidade conhecida como 'empório do sertão'.
Emygdio foi favorecido na elevação de Santa Cruz à freguesia, enquanto São Pedro do Turvo não foi promovido. Caso a condição de freguesia fosse atribuída à Capela São Pedro do Turvo, a estrada viria diretamente de Lençóis em direção a Campos Novos, atravessando o rio Turvo próximo ao ponto de encontro com o rio Alambari. Dessa forma, não passaria pela cidade de Santa Cruz, nem atenderia aos interesses dos Piedade, mas sim os do deputado dr. Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho. Esta rota terrestre seria uma extensão da ferrovia existente na cidade de Rio Claro, que já estava operando em 1875.
Dos acontecimentos, Emygdio poderia ter influído em decisão favorável a São Pedro do Turvo, porém não o fez, e, desde então, sua votação no lugar tornou-se pífia, sempre o último colocado.
Em 1881, o coronel Emygdio, fazendeiro em Santa Cruz e Espírito Santo do Turvo, ilegalmente adquiriu terras no Vale do Peixe de Francisco de Paula Moraes. Ele comprou a Fazenda Pomba do Futuro, enquanto seu filho Augusto César da Piedade adquiriu a Fazenda Pomba de Prata. Isso o silenciaria sempre diante das ameaças do delegado e político local, capitão Jacob Antonio Molitor. Molitor era cartorário e sabia dos segredos dos Piedade nas posses de terras.
O Deputado foi ainda acusado do roubo de uma novilha pertencente a Salvador José Domingues Melchior (Correio Paulistano, 03/06/1884: 2). Melchior era um homem honrado e bastante creditado no Sertão.
No entanto, o caso mais notório, sem precedentes na história de Santa Cruz e amplamente documentado, foi a participação da família Piedade na facilitação na fuga dos presos, irmãos Pedro e Joaquim Fortunato, da cadeia de Santa Cruz, na madrugada de 3 para 4 de setembro de 1881 (Correio Paulistano, edição de 9/05/1884). Este evento ocorreu para atender aos interesses do patriarca Piedade durante o mandato do delegado Manoel Cândido da Silva, que apenas realizou atos de rotina, sem iniciar inquérito policial, sindicâncias ou processo administrativo.
Caso antigo. No início de 1870 os irmãos Fortunato foram acusados e pronunciados cúmplices numa matança de indígenas, na localidade de Faxina (Correio Paulistano, 04/12/1873: 2) onde os Piedade tinham interesses, inclusive no livramento de suas terras das tribos perigosas dos denominados hordas de selvagens..
Evitando prisão flagrante, os Fortunato homiziaram-se em Santa Cruz do Rio Pardo, sendo presos em 1873 e encaminhados a Botucatu e depois à comarca do crime para julgamento, que os considerou libertos, ditam as memórias, por influência do coronel deputado Emydio José da Piedade.
Posteriormente os mesmos Fortunato envolveram-se noutro crime, na localidade de São Pedro do Turvo (RG, BN 1024, 1879/1880: A 12-23), ocorrendo-lhes a prisão na cadeia de Santa Cruz, logrando fugas por facilitação:
"Evadindo-se da cadêa desta villa os criminosos: Pedro e Joaquim Fortunato em setembro de 1881, o delegado que então corria Manoel Cândido da Silva procedeu o auto do corpo de delito na cadêa, e o delegado Nicolao Barreiros abriu este inquerito, do qual algum tempo depois, de demittido Nicolao, prosseguiu o delegado nomeado Francisco Antonio de Castro, chegando a colher provas." (Certidão datada de 24/04/1884, emitida, a pedido, por José Manoel de Almeida, tabelião do público judicial e notas, de cível e crime – publicação Correio Paulistano, 09/05/1884).
O Coronel Emygdio, os filhos Arlindo e Godofredo e o genro, alferes João Baptista de Oliveira Mello, seriam os responsáveis pelas escapulas dos Fortunato, segundo os testemunhos de Francisco de Paula Martins, Salvador José Domingues Melchior e Modesto Pedro Claro, além de outros depoentes que apontavam o Coronel no roubo da novilha de Melchior.
Com as exonerações dos delegados Manoel Cândido da Silva, Nicolau Tolentino Roiz¨ Barreiros e Francisco Antonio de Castro, "Foi nomeado o cidadão Jacob Antonio Molitor para o logar vago de delegado de policia da villa de Santa Cruz do Rio Pardo" (Correio Paulistano, 07/02/1884: 2).
De imediato à posse, Molitor investiu contra a família Piedade. A autoridade ou posição social do deputado não meteu medos ao delegado que, então, agilizou os inquéritos policiais, além de revelar aos jornais da capital o envolvimento de Emygdio em negociatas partidárias (Gazeta Liberal, 10/04/1884, apud citação de Augusto Piedade – 21/04/1884, pelo Correio Paulistano 04/05/1884: 2-3).
O deputado coronel acusou o golpe, e devolveu a rês que teria sido roubada, informando que ela se encontrava em sua propriedade, por ordem do dono, em pagamento de dívida, mas, nunca convenceu.
Da tribuna da Assembleia, Emygdio procurava desqualificar o algoz e pedia providências do governo provincial para sua exoneração, além de incumbir o filho Augusto para revidar, acusar e desacreditar o delegado Molitor, em publicações na imprensa paulista e denúncias à chefatura de polícia.
Molitor chegou a dar voz de prisão a dois filhos de Emygdio, defronte à residência deste, em Santa Cruz, acusados da facilitação para a fuga dos presos, ação retirada e transformada em intimação, a pedido de cidadãos e políticos presentes.
Na ocasião, Molitor teria destratado publicamente o deputado que, apesar de influente e em revide, não conseguiu a exoneração do desafeto, nem sensibilizou a promotoria pública. O governo provincial, em mãos dos liberais, procedia conforme a vontade regional do deputado Tito Correa de Mello, e o Molitor permanecia intocável.
Apenas em 1885, quando os conservadores assumiram o governo provincial, Molitor foi exonerado dos cargos públicos ocupados, com certo alívio para a família Piedade, que não mais teria o aborrecedor. O lenitivo maior aos Piedade, apenas quando, no mesmo ano de 1885, extinguidos os processos crimes e encerrado o administrativo, que apontava o soldado José Sebastião Domingues conivente com a fuga dos presos (RG BN 1030, 1885/1886: A 7-15), sem menção aos responsáveis pela guarda da cadeia, Antonio Meirelles da Silva e Antonio Nogueira, ou validação da confissão do preso Joaquim Fortunato: "Della evadimos, é certo, mas o fizemos levados pelos conselhos e auxillios de Carlos Alves de Campos, que proporcionou-nos os meios para isso precisos" (Correio Paulistano, 09/05/1884: 2).
Joaquim Fortunato mudaria seu nome para Joaquim Messias Dutra.
De outro acontecimento, trata a história regional que, em 1893, o coronel Emygdio José da Piedade teria desviado recursos públicos, quando no Comando Superior da Guarda Nacional e à frente dos paulistas na Revolução Federalista.
Na ocasião teria Emygdio apresentado o coronel campos-novense, Francisco Sanches de Figueiredo, ao Presidente do Estado de São Paulo, sob a argumentação do temor "que os sertões do Paranapanema viessem a soffrer com a invasão das tropas federalistas" (Nogueira Cobra, 1923: 118-119), conquistando grande soma em dinheiro e dezenas de carabinas para guarnecer as sentinelas do lado paulista nos pontos julgados vulneráveis.
Finda a Revolução, sem nenhum tiro oficialmente disparado, o Coronel Sanches guardou para si as carabinas e munições, e do dinheiro recebido, sessenta contos de réis, prestou contas apenas da metade que afirmou ter recebido, todavia contestado pelo advogado Nogueira Cobra:
"E os outros trinta onde foram parar! Na algibeira do portador do cheque que, em companhia do destinatário da quantia, foi recebel-a no banco. O chefe político de Campos Novos dizia que achou exquisito o caso, mas não teve remédio senão concordar com a divisão a meio, pois que o sócio era graúdo, cujo nome declinava; contra esse, cousa alguma podia fazer" (Nogueira Cobra, 1923: 120, nota 1).
O Coronel Emygdio José da Piedade era o 'sócio graúdo'.
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