Não se sabe exatamente quando nem onde o tido nortista Francisco Izabel, considerado desertor da Marinha ou do Exército, recebeu o chamado divino para o ministério de salvação. Por volta de 1890, ele apareceu em Santa Cruz do Rio Pardo pregador pronto, autointitulado 'Frei Manoel' para, com palavras de redenção, conquistar o sertão Paranapanema adiante do Pardo e Turvo santa-cruzenses.
Acredita-se, Frei Manuel chegou de navio do Pará a Paranaguá (PR), acompanhado por sua irmã, cunhado e sobrinho. Eles entraram no Estado de São Paulo por Piraju. Francisco se dirigiu a Botucatu, na região de Araquá, enquanto os outros seguiram para Santa Cruz do Rio Pardo.
As especulações dão lugar aos fatos. O literato dr. Valdomiro Silveira, promotor público em Santa Cruz do Rio Pardo entre 1895 e 1898, esclareceu melhor.
"Lá [em Santa Cruz do Rio Pardo] existia, no cartório do júri, o processo instaurado a esse lendário e assombroso Frei Manuel, que, saído de um rincão do Araquá, nas proximidades de S. Manuel do Paraíso, se fez de repente missionário de uma delegação do céu. Esse caipira comum, que estanciara anos e anos por Botucatu, onde era conhecido pelo nome de Joaquim Catirina, entrou em Santa Cruz do Rio Pardo sem o mínimo rumor, à procura de um sobrinho pequeno." (Valdomiro Silveira, Eu no Sertão, in Suplemento Leitura, DOSP, ano I nº 7, 15 de dezembro de 1982: 8-9).
O menino, informa Valdomiro Silveira, não se encontrava mais onde procurado, na casa do capitão Galdino Carlos da Silveira.
Galdino fora nomeado Escrivão de Órfãos e Ausentes em Santa Cruz do Rio Pardo em 1878, quando o município era parte da Comarca de Lençóis Paulista, conforme Ato [Provincial] de 21 de março, confirmado pelo decreto de 25 de maio (Relatório de Governo 1022, 1878/1878: 53-54). Galdino possuía o posto de Capitão Reserva da Guarda Nacional (DOU, Seção 1, 03/11/1893: 2).
O sobrinho de Catirina, provável órfão de mãe e com pai ausente, foi cuidado pelo capitão Galdino até o retorno paterno.
Catirina então assentou-se no Ribeirão Grande, onde outrora a fazenda do padre João Domingos Figueira (o primeiro pároco de Santa Cruz), para daí ganhar o sertão adiante, São Pedro do Turvo, Salto Grande e Campos Novos Paulista, cercado sempre de multidão, descrita pelo dr. Silveira com cerca de mil e seiscentos seguidores.
A Fazenda do Ribeirão Grande, iniciada a partir da denominada "Usina Velha" até onde o Ribeirão Grande hoje parte divisa municipal entre Santa Cruz do Rio Pardo e Ipaussu.
Joaquim Catirina ou Francisco Izabel tornou-se Frei Manoel, um beato e místico autointitulado. O advogado e historiador Amador Nogueira Cobra ratifica isso.
"Quando chegou [ao sertão] vinha acompanhado de grupo numeroso de homens e mulheres que desde muito o seguiam e lhe rendiam attenções e lhe tributavam respeito religioso (...)." (Nogueira Cobra. Em um Recanto do Sertão Paulista 1923: 108).
A memória sertaneja apresenta-nos Frei Manoel como um homem de estatura mediana, com cabelos encrespados e barba negra. Ele usava uma túnica longa sobre roupas comuns, um chapéu esverdeado devido ao tempo de uso e alpercatas. Fumante, os fiéis disputavam as pontas de cigarro que tocavam seus lábios (Bruno Giovannetti. Esboço Histórico da Alta Sorocabana, 1943: 77-81). Frei Manuel, agitou o sertão a partir de Santa Cruz do Rio Pardo.
Dentre os acompanhantes e admiradores de 'Frei Manoel', em Campos Novos, Amador Nogueira Cobra menciona certo jovem, culto descrito apenas pelo sobrenome Barros:
"(...) formado pela Faculdade de Direito de S. Paulo. Moço eloqüente, promotor público da comarca, tomava a palavra freqüentemente e dirigia-se aos circumstantes que em torno do abarracamento se reuniam a ver o frei. Mostrava quaes as virtudes deste, seu dom de prophecia e, sobre tudo, o poder de ornar o corpo de mortal invulnerável às armas de fogo, de corte" (1923: 108 / 109).
Na época Campos Novos Paulista ou do Paranapanema ainda não era comarca, apenas Santa Cruz do Rio Pardo, onde nomeado promotor público o dr. Joaquim Pereira de Barros, bacharel em direito - Turma 57, diplomado em 07/11/1888 (Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - Arcadas). O diário paulistano, Mercantil, em sua edição de 08 de julho de 1890: 2 menciona o dr. Barros promotor público em Santa Cruz do Rio Pardo.
Dr. Barros foi o pivô de tremenda crise política no Partido Republicano Paulista - PRP no Diretório de Santa Cruz do Rio Pardo, um forte desavença entre os coronéis Marcello Gonsalves [Gonçalves] de Oliveira, então prestigioso chefe político local, e o João Baptista Botelho, rebelado, com as participações do deputado federal Antonio da Costa Junior e o genro deste, dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré. Mas, isto é uma outra história.
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