As paradas de Frei Manuel eram sempre sinônimos de festas santas, com muitas cantorias religiosas aos sons de violas, violões e tambores enfeitados a rigor. O beato estava sempre rodeado pelos seu auxiliares, denominados apóstolos, que em tudo o serviam, inclusive intermediando desejos entre o homem-deus e seus seguidores.
Onde feitas as paradas Frei Manuel realizava atos religiosos públicos, como celebrações de missas, batizados, casamentos, sessões de curas com imposições de mãos, expulsões e esconjuros de malignos, feituras de beberagens para os enfermos e aberturas de caminhos.
Praticava também ritos particulares, apenas ele e a pessoa, homem ou mulher, num cômodo bem guardado de uma casa ou de sua barraca especial, cuja entrada bem guardada, por seus apóstolos. Nestas ocasiões realizava fechamento de corpos, revelava segredos, promovia descarregos e induzia pessoas a estados hipnóticos e delas abusava ou determinava atos que jamais seriam feitos em condições normais.
Quase sempre o Frei colocava-se a sós com alguma jovem, os pais e apóstolos à porta do cômodo ou da barraca, enquanto os violeiros sapateavam e trançavam fandango às alturas, impedindo que ouvissem qualquer sons suspeitos vindos do cômodo. As ocasiões eram regadas a bebidas fortes.
O autodenominado frei tinha conhecimento prévio de eclipse solar, demonstrou isto pelo menos uma vez; sabia fazer munição de festim e tinha habilidade em manusear navalha parecendo passar a lâmina afiada pelo corpo, seu o de algum assistente, sem perigos de danos. Também aparentava conhecer o empirismo médico e trazia consigo sempre o herbário para diagnosticar as principais doenças e promover as curas, conforme dados colhidos dos autores Nogueira Cobra, Giovannetti e dos contatos com descendentes daqueles que conviveram ou ouviram falar do místico.
—"Fechado o corpo a alguém. Esse alguém não seria matado a ferro quente ou ferro frio: a faca não lhe entrava nas carnes, o chumbo caia ao chão ou voltava ao atirador, já frio e inofensivo. As doenças passavam de longe, a desgraça não se aproximava. E tudo corria bem como nas delícias do paraíso!" (Valdomiro Silveira, Eu, no Sertão. In Suplemento Leitura, DOSP, ano I nº 7, 15/12/1982: 8-9. 'Eu, no sertão', O Estado de S. Paulo, 12/09/1906:1).
'Frei Manuel', "o seductor de donzellas" (O Estado de S. Paulo, 27/12/1893: 1), tinha suas virgens consagradas com as quais mantinha, na qualidade de ungido, deveres sexuais para o sucesso da comunidade, realizações de ritos em contatar os espirituais, imunizações contra enfermidades ou fechamentos de corpos. Uma das virgens certamente traria ao sertão, em breve, o 'filho daquele deus'. A elegida, filha de um coronel fazendeiro, de Campos Novos Paulista ou do Paranapanema, já prometida em casamento a um jovem doutor.
—"Achava-se alli advogando um bacharel intelligente, ainda moço [Dr. Affonso Gonçalves Fraga] e de acção, que instigou os habitantes a tomarem armas e enxotarem o falso propheta com os seus para fora do sertão. Secundou-o o chefe político [Coronel Sanches] no plano de combate. Reuniu-se um grupo de homens decididos que se apresentaram para a lucta" (Nogueira Cobra, 1923: 111 e nota 1 de rodapé).
Mas, não seria fácil apanhar o Frei Manuel sem uma carnificina, com mortes de muitos inocentes. Nogueira Cobra descreveu esta fase do Frei, classificando-o embusteiro, autor de falsos milagres dados aos seguidores, como o anúncio do apagar momentâneo do sol, de fechar o corpo contra armas brancas e de fogo, imunidade às moléstias e promoções de curas (Nogueira Cobra, op.cit, páginas 113).
O Frei Manuel corria perigo de vida:
—"Não demorou muito tempo descobrir-se abertamente a impostura que se encerrava no processo de se tornar invulnerável o corpo às armas e às doenças (...). Aquela extranha creatura, quando submettia o paciente à demonstração de que a navalha não cortava, fazia-o publicamente. Porém não procedia à outra prova, rodeava-se de cautelas e precauções e fechava-se com aquelle, em praticas mysteriosas; estas concluídas, retirava-se do compartimento reservado, onde passava o dia, quase todo, reclinado em tarima; elle não descansava desse trabalho, dessa espécie de vaccinação geral contra todas as moléstias conhecidas, que afligiam a humanidade, e as que ainda podessem apparecer: noite e dia applicava seu systema" (Nogueira Cobra, op.cit, 110 e 111).
O diário 'Correio Paulistano' em sua edição de 24 de maio de 1892 publicou o perfil de 'Frei Manuel':
—"Pessoa vinda de S. Pedro do Turvo, relata-nos o facto seguinte: Existe actualmente naquella cidade um missionario bilontra que se veste de capuchinho, apregoando a todos os que lhe ouvem, ser um deus, aposotolo santo ou cousa que o valha.
-O homem conseguiu captar de tal sorte a sympathia da população que tem atrahido para si cerca de quinhentas pessoas inteiramente fanatisadas.
-O falso capuchinho baptisa, faz casamentos, faz sermão, diz missas, pinta o diabo ou o simão, com um desplante extraordinario.
-Mas a bilontragem [pilantragem] do padreco não fica nisso. O homem tem feito barulho, provocando desordens na localidade, e mesmo conmettendo [commettendo] os crimes mais revoltantes. O falso missionario denomina-se 'Frei Manoel [Manuel].'
-Ainda ha alguns dias, por causa do referido missionario, que se aliou a um valdevinos daquella localidade, deu-se terrivel conflicto, resultando delle mortes e ferimentos.
-O povo fugiu espavorido da localidade e deixou o missionario senhor da mesma.
-Para esse caso gravissimo chamamos a attenção das auctoridades competentes."
Leia a parte III (aqui)
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